Alejandro Gonzalez Iñárritu |
ALEJANDRO IÑÁRRITU OU O VÍCIO PELO TRÁGICO.
(Alfredo Werney)
Não raro, o que vemos no cinema hollywoodiano feito para o grande público são os finais felizes (the happy ending), os quais são alcançados depois de uma tempestade de tensões e angústias sofridas por personagens estereotipadas que “dão a volta por cima”. Há algum tempo, entretanto, parece que a maioria dos cineastas cansou desse clichê e está andando agora na contramão do processo – na realidade, eles criaram outra chapa, quiçá mais enfadonha. O vício agora é apresentar um painel trágico da nossa existência, além de uma ambientação psicoemocional que beire à esquizofrenia. Iñárritu, em sua última película, caiu nessa trágica armadilha.
Estou me reportando ao filme Biutiful (Idem, 2010), uma obra que, evidentemente, possui suas qualidades artísticas. Javier Bardem impressiona pelo domínio da interpretação: ele optou por não criar uma personagem de expressões muito exageradas – como muitos atores de drama ainda o fazem, à maneira de muitas películas do cinema mudo –, o que poderia transformar o filme em uma estória piegas, sem nenhum valor artístico. Há metáforas visuais muito bonitas, como nas viagens de Uxbal e na seqüência final do filme – em que dois personagens conversam na neve. Os planos, a fotografia, a música, os meios da linguagem cinematográfica, no geral, não buscam atingir a comoção fácil. Porém, o problema reside, a meu ver, na visão de mundo do diretor: ele insiste em deixar tão patente suas idéias acerca do mundo e das pessoas que termina por transformar os componentes do discurso fílmico em um mero trampolim para expor sua visão trágica.
Para o diretor mexicano, somos simples títeres nas mãos do Destino, este tigre feroz que vive a nos devorar. Rafael Parrode (em seu artigo, “Você não decide”, na Revista Cinética) disse, acertadamente, que os personagens de Iñárritu são “espécies de portfólios da miséria e da ignorância humana, um apanhado do que existe de mais podre e ignóbil”. Construindo um verdadeiro quadro da decadência e da desgraça humana, desde Amores Brutos (diga-se, um filme muito mais contundente e menos cheio de vícios do que Biutiful) esta tem sido a abordagem inharrituriana.
No que se refere aos procedimentos técnicos, o cinema de Alejandro (em especial, sua última obra) abusa dos contrastes, da quebra intencional de ritmo e da fotografia escura. Todo um conjunto de técnicas que visa tão-somente expressar a angústia do cineasta mexicano. A música, como sempre “psicodélica” e de inclinação minimalista, endossa este discurso monofônico. Gustavo Santaolalla, autor da banda sonora, parece ter bebido no mesmo cálice que o diretor mexicano: abusa dos efeitos de harmônicos, das cordas distorcidas, dos contrastes, dos timbres exóticos, do chorus. Um conjunto de técnicas que se repete em todas suas trilhas musicais e que, é importante que se diga, funciona muito bem na trilogia de Alejandro.
Em Babel, por exemplo, o timbre e a monofonia do oud (instrumento de cordas de sonoridade e técnica parecida com a do alaúde) coadunaram-se perfeitamente com o deserto de Marrocos e com a vida circular de seus habitantes. Contudo, no que se refere à Biutiful, Santolalla nos mostra um certo pedantismo. É como se, a todo o momento, o argentino estivesse nos dizendo: “Veja como minha música é diferente!”, “Veja como ela é independente da imagem!”, “Veja como sempre quebro as expectativas e os automatismos do público!”. Isso, sinceramente, cansa-nos.
Há quem me questione e diga que a estória e o processo de montagem de Biutiful são diferentes dos filmes anteriores de Alejandro González (refiro-me a Amores Perros, 21 grams e Babel), visto que não se tratam mais das narrativas entrecruzadas e da combinação aparentemente “caótica” dos planos visuais. Ora, mas a técnica e a visão de mundo do cineasta são praticamente as mesmas: a relação de perda entre pai e filho, o destino trágico, os imigrantes que vivem de maneira ilegal em outros países, os personagens doentios, os comportamentos tipificados que podem ser facilmente engessados em categorias psicanalíticas. Não me restam dúvidas sobre o cinema de Alejandro: o que parecia ser um estilo virou um vício.
Muitos críticos têm dito, com razão, que o cinema não deve ser um simples meio de transmissão de idéias sobre o mundo. A sétima arte, a princípio, possui um filosofar concreto, um filosofar através de imagens – como teorizara o pensador Deleuze. Alejandro é talentoso, possui um bom domínio das técnicas do cinema. Já compôs trilhas sonoras para filmes mexicanos, trabalhou em rádios e possui uma produtora de TV. Além disso, já recebeu vários prêmios durante sua carreira (dentre estes, o Prêmio da Crítica, no “Festival de Cannes”, por Amores Perros). O problema é que o artista latino deixou o seu talento e sua experiência com o audiovisual em um segundo plano. Em primeiro plano ficou sua ânsia de gritar aos nossos ouvidos toda sua angústia. Alejandro Iñárritu transformou-se em um maneirista, em um arauto da miséria e do mal estar da civilização.
Em uma das seqüências da película, Uxbal – um médium que se encontra em estado terminal devido ao câncer – conversa com uma senhora sobre sua vida. Ele confessa que sabe que vai morrer e que se preocupa, portanto, com o destino de seus dois filhos. A personagem lhe responde: “Acredita que é você que cuida das crianças? Não seja ingênuo. O universo cuida delas”. Ao chegar a tal ponto, convém indagarmos: será mesmo que tudo que nos ronda é tragédia? Será que somos meros joguetes nas mãos do Destino? Será que a inteligência humana é sempre esmagada pela força do acaso? Iñárritu tem todas as respostas cristalizadas para as questões acerca da existência humana.
Em certo sentido, o cineasta mexicano constrói uma espécie de anti-existencialismo: em seus filmes as pessoas não são capazes, em nenhum instante, de escolher nada em prol de suas vidas. A existência é algo que já nasce pronta para ser assolada por um destino voraz (e nada podemos fazer para alterá-lo, diga-se). Por isso, mais do que em outras obras de Iñárritu, não há um mínimo de dialética em Biutiful. Trata-se de um filme pesado, barroquizado, unilateral. Nem as pinturas de Edvard Munch e as da última fase de Van Gogh são tão densas e expressionistas. Creio que até Schopenhauer (profundo conhecedor das paixões e das tragédias humanas), caso estivesse entre nós, comover-se-ia com tamanha desgraça.
Me parece que o autor dessa crítica cai no erro interpretativo de nossa época. Colocar as intenções do autor acima da obra em si. A visão de mundo do Iñarritu é problema dele, o que ele pensou ou quis passar com o filme morrem assim que começam a aparecer as cenas iniciais na tela. Se você está falando em termos de técnica, ok... O filme pode ser debatido da maneira que você desejar, se você quiser discutir a qualidade do roteiro, muito válido também.
ResponderExcluirMas utilizar a visão do diretor como critério é falho, o filme se apresenta de um jeito para cada um. Esse negócio de colocar em xeque a intenção do autor, isso é puro romantismo.
E mesmo assim. Essa acusação de expressionismo, é só uma constatação, o que o diretor fez foi usar isso de maneira intensa. A obra de arte é uma expressão do indivíduo, é claro que os trabalhos do Iñarritu tem muito dele, assim como dos Coen, do Tarantino, do Allen...
Impossível separar o autor da obra, o erro que não se pode cometer é julgar a obra a partir do autor.