sexta-feira, 10 de junho de 2011

canção comentada II







PELA INTERNET (Gilberto Gil)


(Alfredo Werney)

A canção “Pela internet” está presente no disco “Quanta” (1994), um das melhores realizações artísticas do tropicalista baiano e um dos mais expressivos álbuns da nossa MPB.  Estamos diante de uma composição que trata da velocidade das informações, dos acontecimentos, do advento da internet e do processo de globalização. No início da música está clara esta idéia, uma vez que Gilberto Gil se utiliza de verbos no infinitivo (Criar meu web site/ Fazer minha home-page) , já nos sugerindo a idéia de movimento, de ações ininterruptas e de uma intensa atividade rítmica. O ritmo musical não poderia ser outro: um samba funkeado (à maneira de Jorge Ben). O arranjo da música também é um componente carregado de significados: a mescla de muitos instrumentos de diferentes gêneros musicais (gaitas, guitarras, samplers, slaps de contrabaixo) nos coloca nessa ambientação de universalidade. Um mundo saturado de informações.

Se o poeta é realmente a “antena da raça” (como nos dissera Ezra Pound), sem dúvidas, Gilberto Gil é a antena da nossa MPB. Enquanto outros músicos de sua época aglomeravam-se para defender um nacionalismo ingênuo e decadente, bem como para difundir uma visão estreita de regionalismo, o compositor baiano já se deslumbrava com a antena parabólica e com os novos processos de globalização – como se vê claramente em seu disco “Parabolicamará” (1991). Gil sempre procurou empreender um diálogo em entre as inovações científicas e tecnológicas do mundo contemporâneo com elementos da cultura afro-brasileira e ameríndia. Basta observarmos a letra de “Pela Internet” e veremos que as construções frasais e os neologismos criados pelo artista apontam para essa visão: infomaré, porto de disquete, que veleje nesse informar, com quantos gigabytes se faz uma jangada. Em seu bojo habitam, ao mesmo tempo, Luiz Gonzaga e música eletrônica, Patativa do Assaré e poesia concreta. Certamente, permanece no cancionista a idéia oswaldiana de antropofagia – concepção esta muito cara ao Tropicalismo.

Ciência e arte em “Quanta”, e também em outros discos do compositor, interpenetram-se. Não há, na obra de Gil, a conhecida dicotomia entre “ciência” (como uma área do inteligível, da pura razão) e “arte” (área da onde reina as sensações, a pura imaginação). Observa-se, desse modo, uma visão mais dialética e mais poética. Como sabemos, Gilberto Gil é um entusiasmado defensor  das novas tecnologias e da liberdade digital. Não há em suas composições a ingênua nostalgia que se vê em muitos compositores atuais. Isto é, ver o nosso passado sonoro como algo mais belo e acreditar que a MPB deva sempre manter uma certa rusticidade, em detrimento das sofisticações instrumentais e composicionais da música contemporânea.

“Pela internet”, como o próprio título alude, é uma reconstrução criativa (uma “transcriação”, nas palavras de Haroldo de Campos) da composição “Pelo telefone” (Donga e Mauro de Almeida), um dos nossos primeiros sambas que foram gravados. O compositor de “Quanta”, no entanto, atualizou o cenário: em vez do antigo telefone, temos agora o celular; em vez da roleta, temos agora o vídeo-pôquer. Na própria melodia dessa canção há uma seqüência de notas emprestadas de “Pelo telefone”.  Além disso, a construção harmônica das duas obras possui trechos muito parecidos.

A gravação de “Pela internet” consagrada é a do próprio Gilberto. Na verdade, o modus operandi gilbertiano é repleto de elementos muito pessoais. Poucos artistas conseguem, dessa forma, interpretar as suas canções de uma maneira que acrescente informações e novidades a elas. O fato é que Gil, ao compor, pensa em todo o conjunto (timbre, arranjo, instrumentação, performance, inflexão das frases musicais, etc) da canção. Diferente de muitos artistas que compõem apenas um esqueleto da música e o entrega para arranjadores e maestros terminarem o processo. Dessa maneira, “Pela internet” é uma espécie de resumo do pensamento e da performance musical de Gilberto. Indubitavelmente, trata-se de uma das mais reveladoras e expressivas criações da MPB.

2 comentários:

  1. Prezad@s leitores (as) do blog Staccato,

    O Alfredo Werney consegue fazer uma boa análise da música "Pela Internet" de Gil. Efetivamente Gil se coloca como um grande cancioneiro da música brasileira, no dizer de Alfredo é um "antena da MPB". Essa preocupação com o advento da tecnologia já foi inaugurada no seu primeiro LP "Louvação" de 1967, em que Gilberto Gil na música "Lunik 9" - mostra a chegada do homem na lua. "Lunik 9" - foi uma referência a espaçonave soviética que pousou na lua. Vale salientar que "Louvação" - refere-se a uma canção do poeta-letrista Torquato Neto, musicalizada por Gilberto Gil. Sem dúvida, o processo de globalização causa grande fascínio ao compositor baiano Gil. Numa conferência em 19 de maio de 2009, realizada no SESC Pinheiros em sampa, presenciei na conferência "IDENTIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL" proferida por Gilberto Gil, na época já ex-ministro, percebi como ele falava das canções e fazia uma relação com a tecnologia, na ocasião seu discurso enfatizava o web-site, o linox, etc, e fazia uma defesa incondicional da gratuitade da internet e dos programa de computador. Enfim, não podia ser de outra forma o discurso-texto de Gil na conferência foi marcado pela cadência tropicalista. A ideia na escrita desse comentário é registrar também meu fascínio pelo artista Gil e ao passo lançar até vocês o texto de Werney.

    Boa leitura

    Jonas Rodrigues de Moraes

    http://performanceritmo.blogspot.com/

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  2. Enfim um espaço que enalteça a arte de Gilberto gil,tão importante quanto as produções de chico e caetano.

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