PELA INTERNET (Gilberto Gil)
(Alfredo Werney)
A canção “Pela internet” está presente no disco “Quanta” (1994), um das melhores realizações artísticas do tropicalista baiano e um dos mais expressivos álbuns da nossa MPB. Estamos diante de uma composição que trata da velocidade das informações, dos acontecimentos, do advento da internet e do processo de globalização. No início da música está clara esta idéia, uma vez que Gilberto Gil se utiliza de verbos no infinitivo (Criar meu web site/ Fazer minha home-page) , já nos sugerindo a idéia de movimento, de ações ininterruptas e de uma intensa atividade rítmica. O ritmo musical não poderia ser outro: um samba funkeado (à maneira de Jorge Ben). O arranjo da música também é um componente carregado de significados: a mescla de muitos instrumentos de diferentes gêneros musicais (gaitas, guitarras, samplers, slaps de contrabaixo) nos coloca nessa ambientação de universalidade. Um mundo saturado de informações.
Se o poeta é realmente a “antena da raça” (como nos dissera Ezra Pound), sem dúvidas, Gilberto Gil é a antena da nossa MPB. Enquanto outros músicos de sua época aglomeravam-se para defender um nacionalismo ingênuo e decadente, bem como para difundir uma visão estreita de regionalismo, o compositor baiano já se deslumbrava com a antena parabólica e com os novos processos de globalização – como se vê claramente em seu disco “Parabolicamará” (1991). Gil sempre procurou empreender um diálogo em entre as inovações científicas e tecnológicas do mundo contemporâneo com elementos da cultura afro-brasileira e ameríndia. Basta observarmos a letra de “Pela Internet” e veremos que as construções frasais e os neologismos criados pelo artista apontam para essa visão: infomaré, porto de disquete, que veleje nesse informar, com quantos gigabytes se faz uma jangada. Em seu bojo habitam, ao mesmo tempo, Luiz Gonzaga e música eletrônica, Patativa do Assaré e poesia concreta. Certamente, permanece no cancionista a idéia oswaldiana de antropofagia – concepção esta muito cara ao Tropicalismo.
Ciência e arte em “Quanta”, e também em outros discos do compositor, interpenetram-se. Não há, na obra de Gil, a conhecida dicotomia entre “ciência” (como uma área do inteligível, da pura razão) e “arte” (área da onde reina as sensações, a pura imaginação). Observa-se, desse modo, uma visão mais dialética e mais poética. Como sabemos, Gilberto Gil é um entusiasmado defensor das novas tecnologias e da liberdade digital. Não há em suas composições a ingênua nostalgia que se vê em muitos compositores atuais. Isto é, ver o nosso passado sonoro como algo mais belo e acreditar que a MPB deva sempre manter uma certa rusticidade, em detrimento das sofisticações instrumentais e composicionais da música contemporânea.
“Pela internet”, como o próprio título alude, é uma reconstrução criativa (uma “transcriação”, nas palavras de Haroldo de Campos) da composição “Pelo telefone” (Donga e Mauro de Almeida), um dos nossos primeiros sambas que foram gravados. O compositor de “Quanta”, no entanto, atualizou o cenário: em vez do antigo telefone, temos agora o celular; em vez da roleta, temos agora o vídeo-pôquer. Na própria melodia dessa canção há uma seqüência de notas emprestadas de “Pelo telefone”. Além disso, a construção harmônica das duas obras possui trechos muito parecidos.
A gravação de “Pela internet” consagrada é a do próprio Gilberto. Na verdade, o modus operandi gilbertiano é repleto de elementos muito pessoais. Poucos artistas conseguem, dessa forma, interpretar as suas canções de uma maneira que acrescente informações e novidades a elas. O fato é que Gil, ao compor, pensa em todo o conjunto (timbre, arranjo, instrumentação, performance, inflexão das frases musicais, etc) da canção. Diferente de muitos artistas que compõem apenas um esqueleto da música e o entrega para arranjadores e maestros terminarem o processo. Dessa maneira, “Pela internet” é uma espécie de resumo do pensamento e da performance musical de Gilberto. Indubitavelmente, trata-se de uma das mais reveladoras e expressivas criações da MPB.
Prezad@s leitores (as) do blog Staccato,
ResponderExcluirO Alfredo Werney consegue fazer uma boa análise da música "Pela Internet" de Gil. Efetivamente Gil se coloca como um grande cancioneiro da música brasileira, no dizer de Alfredo é um "antena da MPB". Essa preocupação com o advento da tecnologia já foi inaugurada no seu primeiro LP "Louvação" de 1967, em que Gilberto Gil na música "Lunik 9" - mostra a chegada do homem na lua. "Lunik 9" - foi uma referência a espaçonave soviética que pousou na lua. Vale salientar que "Louvação" - refere-se a uma canção do poeta-letrista Torquato Neto, musicalizada por Gilberto Gil. Sem dúvida, o processo de globalização causa grande fascínio ao compositor baiano Gil. Numa conferência em 19 de maio de 2009, realizada no SESC Pinheiros em sampa, presenciei na conferência "IDENTIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL" proferida por Gilberto Gil, na época já ex-ministro, percebi como ele falava das canções e fazia uma relação com a tecnologia, na ocasião seu discurso enfatizava o web-site, o linox, etc, e fazia uma defesa incondicional da gratuitade da internet e dos programa de computador. Enfim, não podia ser de outra forma o discurso-texto de Gil na conferência foi marcado pela cadência tropicalista. A ideia na escrita desse comentário é registrar também meu fascínio pelo artista Gil e ao passo lançar até vocês o texto de Werney.
Boa leitura
Jonas Rodrigues de Moraes
http://performanceritmo.blogspot.com/
Enfim um espaço que enalteça a arte de Gilberto gil,tão importante quanto as produções de chico e caetano.
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