quinta-feira, 16 de junho de 2011

Alejandro Iñarritu

Alejandro Gonzalez Iñárritu


ALEJANDRO IÑÁRRITU OU O VÍCIO PELO TRÁGICO.

(Alfredo Werney)


Não raro, o que vemos no cinema hollywoodiano feito para o grande público são os finais felizes (the happy ending), os quais são alcançados depois de uma tempestade de tensões e angústias sofridas por personagens estereotipadas que “dão a volta por cima”. Há algum tempo, entretanto, parece que a maioria dos cineastas cansou desse clichê e está andando agora na contramão do processo – na realidade, eles criaram outra chapa, quiçá mais enfadonha. O vício agora é apresentar um painel trágico da nossa existência, além de uma ambientação psicoemocional que beire à esquizofrenia. Iñárritu, em sua última película, caiu nessa trágica armadilha.

Estou me reportando ao filme Biutiful (Idem, 2010), uma obra que, evidentemente, possui suas qualidades artísticas. Javier Bardem impressiona pelo domínio da interpretação: ele optou por não criar uma personagem de expressões muito exageradas – como muitos atores de drama ainda o fazem, à maneira de muitas películas do cinema mudo –, o que poderia transformar o filme em uma estória piegas, sem nenhum valor artístico. Há metáforas visuais muito bonitas, como nas viagens de Uxbal e na seqüência final do filme – em que dois personagens conversam na neve. Os planos, a fotografia, a música, os meios da linguagem cinematográfica, no geral, não buscam atingir a comoção fácil. Porém, o problema reside, a meu ver, na visão de mundo do diretor: ele insiste em deixar tão patente suas idéias acerca do mundo e das pessoas que termina por transformar os componentes do discurso fílmico em um mero trampolim para expor sua visão trágica.

Para o diretor mexicano, somos simples títeres nas mãos do Destino, este tigre feroz que vive a nos devorar. Rafael Parrode (em seu artigo, “Você não decide”, na Revista Cinética) disse, acertadamente, que os personagens de Iñárritu são “espécies de portfólios da miséria e da ignorância humana, um apanhado do que existe de mais podre e ignóbil”. Construindo um verdadeiro quadro da decadência e da desgraça humana, desde Amores Brutos (diga-se, um filme muito mais contundente e menos cheio de vícios do que Biutiful) esta tem sido a abordagem inharrituriana.

No que se refere aos procedimentos técnicos, o cinema de Alejandro (em especial, sua última obra) abusa dos contrastes, da quebra intencional de ritmo e da fotografia escura. Todo um conjunto de técnicas que visa tão-somente expressar a angústia do cineasta mexicano. A música, como sempre “psicodélica” e de inclinação minimalista, endossa este discurso monofônico.  Gustavo Santaolalla, autor da banda sonora, parece ter bebido no mesmo cálice que o diretor mexicano: abusa dos efeitos de harmônicos, das cordas distorcidas, dos contrastes, dos timbres exóticos, do chorus.  Um conjunto de técnicas que se repete em todas suas trilhas musicais e que, é importante que se diga, funciona muito bem na trilogia de Alejandro.

Em Babel, por exemplo, o timbre e a monofonia do oud (instrumento de cordas de sonoridade e técnica parecida com a do alaúde) coadunaram-se perfeitamente com o deserto de Marrocos e com a vida circular de seus habitantes. Contudo, no que se refere à Biutiful, Santolalla nos mostra um certo pedantismo. É como se, a todo o momento, o argentino estivesse nos dizendo: “Veja como minha música é diferente!”, “Veja como ela é independente da imagem!”, “Veja como sempre quebro as expectativas e os automatismos do público!”. Isso, sinceramente, cansa-nos.

Há quem me questione e diga que a estória e o processo de montagem de Biutiful são diferentes dos filmes anteriores de Alejandro González (refiro-me a Amores Perros, 21 grams e Babel), visto que não se tratam mais das narrativas entrecruzadas e da combinação aparentemente “caótica” dos planos visuais. Ora, mas a técnica e a visão de mundo do cineasta são praticamente as mesmas: a relação de perda entre pai e filho, o destino trágico, os imigrantes que vivem de maneira ilegal em outros países, os personagens doentios, os comportamentos tipificados que podem ser facilmente engessados em categorias psicanalíticas. Não me restam dúvidas sobre o cinema de Alejandro: o que parecia ser um estilo virou um vício.

Muitos críticos têm dito, com razão, que o cinema não deve ser um simples meio de transmissão de idéias sobre o mundo. A sétima arte, a princípio, possui um filosofar concreto, um filosofar através de imagens – como teorizara o pensador Deleuze. Alejandro é talentoso, possui um bom domínio das técnicas do cinema. Já compôs trilhas sonoras para filmes mexicanos, trabalhou em rádios e possui uma produtora de TV. Além disso, já recebeu vários prêmios durante sua carreira (dentre estes, o Prêmio da Crítica, no “Festival de Cannes”, por Amores Perros). O problema é que o artista latino deixou o seu talento e sua experiência com o audiovisual em um segundo plano. Em primeiro plano ficou sua ânsia de gritar aos nossos ouvidos toda sua angústia.  Alejandro Iñárritu transformou-se em um maneirista, em um arauto da miséria e do mal estar da civilização.

Em uma das seqüências da película, Uxbal – um médium que se encontra em estado terminal devido ao câncer – conversa com uma senhora sobre sua vida. Ele confessa que sabe que vai morrer e que se preocupa, portanto, com o destino de seus dois filhos. A personagem lhe responde: “Acredita que é você que cuida das crianças? Não seja ingênuo. O universo cuida delas”. Ao chegar a tal ponto, convém indagarmos: será mesmo que tudo que nos ronda é tragédia? Será que somos meros joguetes nas mãos do Destino? Será que a inteligência humana é sempre esmagada pela força do acaso? Iñárritu tem todas as respostas cristalizadas para as questões acerca da existência humana.

Em certo sentido, o cineasta mexicano constrói uma espécie de anti-existencialismo: em seus filmes as pessoas não são capazes, em nenhum instante, de escolher nada em prol de suas vidas. A existência é algo que já nasce pronta para ser assolada por um destino voraz (e nada podemos fazer para alterá-lo, diga-se). Por isso, mais do que em outras obras de Iñárritu, não há um mínimo de dialética em Biutiful. Trata-se de um filme pesado, barroquizado, unilateral. Nem as pinturas de Edvard Munch e as da última fase de Van Gogh são tão densas e expressionistas. Creio que até Schopenhauer (profundo conhecedor das paixões e das tragédias humanas), caso estivesse entre nós, comover-se-ia com tamanha desgraça. 

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Entrevista com Eduardo Valente

Eduardo Valente



ENTREVISTA COM EDUARDO VALENTE


Por Wanderson Lima e Alfredo Werney



Eduardo Valente formou-se em cinema pela Universidade Federal Fluminense e obteve o mestrado em mestrado em comunicação pela Universidade de São Paulo - USP. Dirigiu os curtas Um Sol Alaranjado, Castanho e O Monstro, todos selecionados para diferentes seções do Festival de Cannes. Em 2009, lançou seu primeiro longa-metragem, No Meu Lugar. Além de cineasta, trabalha como professor, organizador de festivais e mostras de cinema. Foi um dos editores da Contracampo, revista que deu novos rumos à crítica de cinema no Brasil, e atualmente edita a Cinética, uma das revistas de cinema mais importantes do país.




Wanderson Lima / Alfredo Werney: Como se deu o surgimento da Cinética e como ela é feita e gerida?


Eduardo Valente: Eu, Cléber Eduardo e Felipe Bragança estávamos um pouco desmotivados com os caminhos tomados pela Contracampo, onde todos escrevíamos já há uns bons 5 anos, e ao mesmo tempo sentíamos falta de uma outra revista de cinema que atendesse a alguns dos nossos desejos (a maioria destes está lá descrita no editorial de fundação da revista). Por isso, acabamos decidindo sair da Contra e criar essa outra revista, que acabou sendo a Cinética.

Ela é gerida de maneira semelhante à Contracampo, uma vez que ambas são feitas de maneira absolutamente voluntária, sem ninguém receber nada pelo trabalho. Ou seja: o trabalho é feito em casa, nas horas em que é possível, para cada redator/editor/colaborador. Todos participamos de uma lista de emails que permite que pessoas de estados diferentes (e até morando fora) conversem e levem adiante ideias de pautas e afins. É uma forma bem interessante e coletiva de trabalho.


WL / AW: Você já revelou que se sente melhor fazendo crítica que dirigido. Por quê? Onde estas duas atividades confluem?

Eduardo Valente: Não é exatamente o caso de me sentir melhor, eu apenas acho que o exercício diário da crítica faz mais sentido pra mim que o da direção, porque me mantém mais perto daquilo que realmente me trouxe pra este mundo que é a paixão pelos filmes, por estar numa sala escura assistindo uma projeção. Os cineastas de ofício, por incrível que pareça, têm muito pouco tempo para isso.
Eu acho que as atividades confluem por todos os lados. Não por acaso eu sempre preferi dizer que eu “faço cinema”. Pra mim isso inclui realizar, escrever, fazer curadorias e produção de mostras e eventos da área, dar aulas. Em tudo isso, me sinto igualmente perto do que é o cinema pra mim.



WL / AW: A nossa geração deve a vocês da Cinética, assim como ao pessoal da Contracampo e da extinta Paisà. Vocês estabeleceram um parâmetro crítico calcado na consciência das operações formais, num processo dialético com a leitura da realidade social praticada nos filmes. Antes, na internet, praticamente o que havia era comentário de roteiro e sinopses com fins publicitários. Ainda que seja cedo, e não se possa desconsiderar o fato de que você se encontre no “olho do furacão”, como você avalia, em termos de importância histórica, a atuação dos três veículos citados?

Eduardo Valente: É cedo, como você disse. Mas eu acho que ali aconteceu uma saudável coincidência: estávamos no lugar certo, na hora certa. Ou seja, quando a Contracampo (que é a matriz inegável das outras duas, inclusive no sentido prático de que todos os editores e uma parte boa dos redatores delas vieram do trabalho na Contra) surge, a internet ainda era um campo quase virgem, onde tudo estava por fazer. E nós éramos moleques abusados, ainda em plena graduação universitária, a fim de colocarmos idéias no mundo. Décadas ou mesmo anos antes, a Contracampo seria um fanzine mimeografado, que poderia ter sua importância, mas não alcançaria a abrangência (inclusive e principalmente geográfica) que a internet deixou que ela conseguisse. E acho que ela também surge num momento em que havia um vazio na crítica de cinema no Brasil, um buraco entre o que ela havia se tornado na grande mídia e o que ela poderia ser. Mas, nada disso foi planejado. Apenas fizemos, edição a edição, e fomos sendo surpreendidos com o que saía dali.



WL / AW: Seus textos revelam uma sensibilidade aguçada para com os limites éticos da postura do diretor. Em algumas de suas críticas – como a sobre o filme iraniano Tempo de embebedar cavalos, de Bahman Ghobadi –, a condenação ao filme é sustentada principalmente no pressuposto ético de que um diretor não deve permitir que seus atores passem por suplícios físicos e psicológicos a fim de obter ganhos artísticos. Você poderia elaborar melhor seu ponto de vista acerca desta questão?

Eduardo Valente: É um ponto de vista sem regras fixas, porque cada interação é uma interação, mas que parte de sentimentos de que há limites sim. Só que estes limites são subjetivos e devem ser julgados não só pelos atos que se tomam, mas pelas intenções com as quais eles são tomados. E eu acho que existe ainda a preocupação da manipulação do cineasta com o espectador, tanto quanto com seus atores ou equipe. De novo, não sou um carola que acha que não se pode manipular (inclusive porque cinema é manipulação, necessariamente), mas sim que se deve ver, caso a caso, qual a manipulação, com quem, de que forma, e com que fim. E, pra mim, a crítica é espaço para isso tanto quanto questões formais, narrativas, e todas as outras.


WL / AW: Como você situa seu primeiro longa, No meu lugar (2009), dentro da série de filmes nacionais do chamado cinema de retomada?  Em que pontos sua proposta estética conflui ou se afasta das concepções de seus pares?  

Eduardo Valente: Eu acho que esse é um ponto onde o cineasta não deve falar, quem deve falar é a crítica, os historiadores, e principalmente o tempo. Não tenho como falar isso do meu próprio filme, e tenho dificuldade de ver o momento à minha volta. O que eu acho é em que meu filme dialogo principalmente com a minha cultura de cinema e minha experiência de mundo, e nisso o presente é tão importante quanto o passado, e o cinema brasileiro tão importante quanto o mundial.


WL / AW: Qual o papel que você delega à trilha sonora em seus filmes?

Eduardo Valente: Eu penso que o som é uma ferramenta fantástica, inclusive porque a sua relação com o espectador é muito mais emocional e sensorial, enquanto a imagem sempre passa pelo racional (e isso é científico mesmo). Para mim, o momento de pensar o som de um filme começa no roteiro e termina no último estágio da mixagem, que pouca gente conhece mas é um dos momentos mais criativos da realização de cinema. Adoro trabalhar essa parte dos meus filmes e costumo prestar muita atenção a ela quando vejo filmes dos outros.



WL / AW: No que se refere à música do cinema, podemos observar que existiram várias parcerias entre diretor e compositor que realmente ficaram marcadas na história do cinema pela sintonia e pelo bom resultado artístico alcançado. Na Itália tivemos Sérgio Leone e Morricone, Fellinni e Nino Rota; na França Truffaut e Delerue; nos Estados Unidos Hitchcock e Bernard Herrmann, Spielberg e John Willians; Na Polônia Kieslowski e Preisner. No cenário atual podemos citar Iñarritú e Santaolalla, Tim Burton e Danny Elfman, etc. Por que não se firmaram no Brasil parcerias dessa envergadura, embora tenhamos diretores e músicos competentes?

Eduardo Valente: Eu acho que tem pessoas interessantes criando trilhas pra cinema no Brasil hoje, como o Kassin e o Berna Ceppas, o Dado Villa-Lobos, o André Abujamra, o André Moraes. Acontece que o cinema no Brasil não é exatamente uma indústria, e essas pessoas no geral não vivem disso, e não têm a certeza de quando farão um outro filme com um mesmo diretor, etc. E isso faz diferença, a continuidade, a idéia mesmo de labor, de estar sempre na labuta de uma arte.



WL / AW: O cinema contemporâneo da Argentina, ao que parece, está em alta, o que a conquista do Oscar só vem a confirmar. Diretores talentosos, como Lucrecia Martel e Pablo Trapero, vêm construindo obras que ganharam notoriedade em todo o mundo. Em sua avaliação, como anda o cinema brasileiro contemporâneo? O que podemos aprender com os argentinos?

Eduardo Valente: De preferência, que não aprendamos nada com eles, e vice-versa. Que não aprendamos nada com ninguém aliás, pelo menos não no sentido que eu vejo nesta expressão, aquele sentido de cima pra baixo, que vem lá do professor ensinando no alto do tablado pros alunos sentados na cadeira. O processo que me interessa é o da mão dupla, da interação, não do aprendizado. Eu aprendo com tudo que eu faço e vejo na vida, e aí não me importa se é argentino ou não. O que eu acho é que, parafraseando Paulo José, “o Brasil faz o melhor cinema brasileiro do mundo”, e o mesmo com o cinema argentino na Argentina e assim por diante. Na média, se formos ver todos os filmes de um país, claro que a maior parte dos filmes é medíocre, mas em todas as cinematografias há dós de peito e filmes muito fortes, sempre. Acho que é assim que eu vejo a brasileira hoje.



WL / AW: Que filmes da década de 2000 (2000-2009) você crê que pode marcar a história do cinema?

Eduardo Valente: Eita pergunta difícil. Eu fujo de listas e de dar nomes de favoritos como o diabo da cruz. Inclusive porque acho muito dúbia a idéia de que um filme “marque a história do cinema’, porque parece estar se querendo falar de um filme bom, mas filmes muito ruins marcam indelevelmente a história do cinema o tempo todo. Fora isso, eu acho que, cada vez mais nos tempos dos downloads e acessibilidade a filmes pelo mundo à escolha do espectador (e cada vez menos dos exibidores etc), existem tantas “histórias do cinema” como há cinéfilos e cineastas. Então, ou seja: educadamente eu passo a chance do tal vaticínio.





 Alfredo Werney é violonista, arte-educador e pesquisador. Escreveu com Wanderson Lima “Reencantamento do Mundo” (Ed. Amálgama, Teresina, 2008).

Wanderson Lima é poeta e ensaísta. Professor de literatura da Universidade Estadual do Piauí – UESPI e doutorando em Literatura Comparada pela UFRN. Autor, entre outros, de Reencantamento do mundo: notas sobre cinema (amálgama, 2008), em co-autoria com Alfredo Werney.


*Entrevista presente na revista Desenredos