sábado, 11 de julho de 2009

sobre os livros de auto-ajuda

AJUDA DE GREGO

Wanderson Lima



A multiplicação divergente de leituras sobre o significado do ato de ler pode desconcertar aquele que resolva se aventurar no tema a fim de aprimorar-se como leitor ou, no caso de pedagogos e professores, como profissionais. Divergências à parte, porém, dificilmente um pesquisador do tema há de negar que o fim último da leitura seja, como nos diz o crítico literário Harold Bloom, permitir ao indivíduo “desenvolver a capacidade de formar opiniões críticas e chegar a avaliações pessoais”. Lemos – diz-nos Bloom – “porque, na vida real, não temos condições de ‘conhecer’ tantas pessoas, com tanta intimidade; porque precisamos nos conhecer melhor; porque necessitamos de conhecimento, não apenas de terceiros e de nós mesmos, mas das coisas da vida” (Em Como e Por que Ler, 2000).
Ler, ao contrário do que as pedagogias autoritárias apregoaram, é um diálogo entre sujeitos; o texto é o lugar em que o sujeito-autor e o sujeito-leitor se solidarizam. Solidarizar-se, neste sentido, não pressupõe necessariamente que um (o leitor) esteja em concordância passiva com o dizer do outro (o autor). Estava certo Jean-Paul Sartre quando caracterizou o ato de ler (e, por extensão, o de escrever) como um exercício de generosidade. Quem escreve é generoso na medida em que expõe sua cosmovisão para ser apreciada por outros; quem lê demonstra generosidade na medida em que se permite um diálogo (de resultados imprevisíveis) com o(s) outro(s).No entanto, o pragmatismo e a sede de lucro podem transformar esse exercício de generosidade em negócio dos mais grosseiros. É aí que surgem essas mercadorias conhecidas como livros de auto-ajuda. Se são eles, hoje, os mais vendidos nas livrarias de todo o país, como comprovam as estatísticas, isso deve ser motivo de uma reflexão por parte principalmente de pedagogos e professores.Não é difícil sabermos por que o livro de auto-ajuda tornou-se tão popular. A precariedade do nosso sistema educacional, a correria e a mecanização imposta ao cotidiano das pessoas, a ausência de formas de lazer mais instrutivas e o ceticismo em relação aos valores políticos e religiosos levaram muitas pessoas a buscar nos livros de auto-ajuda uma verdadeira forma de transcendência secular. À indústria editorial coube aplicar a fórmula para se aproveitar da apatia e do abatimento moral desse angustiado público-alvo: letras grandes, textos curtos, ilustrações à farta, gente bem sucedida (?) e sorridente exposta em capas multicoloridas, um tênue verniz de cientificidade e, acima de tudo isso, um otimismo simplista e consolatório expresso por meio de formas leves e didáticas, como a parábola e o aforismo.
Para Edgar Morin, um dos saberes fundamentais ao ser que aprende é a consciência de que “o conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade”. Ora, só assumimos a consciência da complexidade do conhecimento quando nos despimos dos dogmas e da ilusão de que alguém ou alguma área do conhecimento irá nos fornecer o Caminho da Verdade; isso demanda muita humildade e a consciência de que todas as esferas do saber estão interligadas. Nos livros de auto-ajuda, para a tristeza de Morin e a nossa, ocorre a planificação da complexidade do mundo; nestas obras, a questão da felicidade/infelicidade, por exemplo, reduz-se unicamente à disponibilidade da pessoa em ver as coisas pelo “lado positivo”. Na verdade, quase todos os ensinamentos desses livros já sabemos de antemão; no entanto, porque estamos carentes e de estima baixa, queremos ouvi-los pelas palavras de outrem. Esse gênero de livro, portanto, pressupõe um diálogo assimétrico (portanto, um pseudodiálogo) em que um leitor passivo supõe escutar uma voz autorizada, quando não raras vezes está diante de um charlatão sedento por lucros.
O fenômeno do surto de venda de obras de auto-ajuda, pelo que sabemos, não acontece somente no Brasil. É plausível, portanto, inseri-lo no processo de crise da cultura humanística ocidental, que vem sofrendo, desde o início do século XX, por conta da expansão das formas de divertimento vulgar e da planificação dos gostos promovidas pela indústria cultural. Estaria Harold Bloom sendo apocalíptico quando afirma que autores como Marcel Proust e James Joyce podem num futuro próximo não encontrar leitores? Talvez sim. Mas o certo é que, num contexto em que os livros de auto-ajuda são campeões absolutos de venda, as pessoas estão se agarrando a qualquer esperança e o verdadeiro conhecimento está sendo trocado pelas formas redutoras de um otimismo rasteiro produzido por espertalhões.

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