domingo, 27 de março de 2011

Caso Marauê


O AUÊ DE MARAUÊ: FÁBIO NOVO, FRANK AGUIAR E OS FALSOS HERÓIS DO JENIPAPO

(Por Alfredo Werney)
Revistas renomadas, sites famosos, blogs, cartas, TV, dentre outros. Confesso que nunca tinha visto uma simples banalidade provocar tamanha celeuma. Estou falando do famigerado “Caso Marauê”, como ficou conhecido nos meios de comunicação. O acontecimento: o ator coadjuvante Marauê Carneiro, da peça “Fica Frio”, postou no seu “Facebook” uma frase que dizia que Teresina era o “cu do mundo”. Em decorrência disso, a referida peça foi cancelada pelo político da Assembléia Legislativa do Piauí, Fábio Novo.
Algumas questões instigantes devem ser levantadas: Por que o assunto repercutiu tanto em nosso estado? Será se o fato tivesse ocorrido em outro estado teria repercutido da mesma maneira e intensidade? Ao atacarem com veemência o ator, os piauienses estão demonstrando o amor a terra ou se trata apenas de uma espécie de ressentimento ingênuo e bairrista? O ato de cancelar a peça teatral foi correto?
A primeira pergunta não é difícil de responder. O assunto teve grande repercussão em nosso estado por conta de haver muita gente oportunista querendo ganhar audiência e respeito através dos deslizes alheios. Certamente, temos muitas coisas mais importantes para serem discutidas em nosso estado: a péssima qualidade do ensino público, o dinheiro dos projetos culturais que foram desviados, os cachês de artistas que nunca foram repassados pelas fundações de cultura, a corrupção desenfreada dos nossos gestores, etc. Porém, este é um momento excelente para políticos salafrários, artistas em decadência e jornalistas medíocres pousarem de defensores da pátria. Verdadeiros heróis da “Batalha do Jenipapo”. Estes são os mesmos heróis que, na primeira oportunidade, saqueiam os cofres públicos sem nenhum remordimento.
Sobre a segunda questão levantada, eu acredito que o assunto não repercutiria com a mesma intensidade em outro estado do país. Criou-se, nesse lugar, um espírito de revolta que beira a burrice e a inocência. Duvido que um estado como São Paulo, Paraná ou Bahia tivesse se movido contra uma banalidade proferida por um artista medíocre e sem nenhuma expressão como o Marauê. Isso não é mais que uma baixa auto-estima disfarçada. Uma moral do fraco, como nos fala Nietzsche. Se estas questões ainda nos incomodam tanto é porque realmente nós, piauienses, sentimo-nos desimportantes. Alguém acreditaria que Chico Buarque, por exemplo, iria se revoltar se um músico diletante chamasse suas composições de lixo cultural? Não tenho dúvida de que Francisco não daria nenhuma atenção ao comentário, pois ele sabe a importância que sua arte tem para a história da nossa música popular.
Em relação ao terceiro questionamento, não me restam dúvidas. É puro bairrismo e ingenuidade do povo do Piauí. Nesse estado, em vez de fazermos política cultural séria, passamos todo tempo que existe atrás de forjar uma “piauiensidade”. Este discurso enfadonho está presente nas canções, nas peças teatrais, nos curtas-metragens, nos poemas e em tudo o que é produzido em nossa aldeia. E trata-se de uma atitude apoiada pelas instituições oficiais. Basta lembrar que no projeto musical “Boca da Noite”, pelos menos na gestão passada, era obrigação do músico tocar 60% de músicas “piauienses” no repertório, conforme o regulamento da FUNDAC (Fundação de Cultura do Estado). E para que serve mesmo esse rótulo de piauiense? Caetano e Gil não precisaram defender uma “baianidade” para se projetarem artisticamente. Ganharam notoriedade, acredito, pelo talento e a inteligência musical que ambos possuem. Imaginem Graciliano Ramos dizer: “Escrevo literatura alagoana”. Seria ridículo pensar de tal forma.
Para finalizar as questões, afirmo com veemência: sou contra o cancelamento da apresentação teatral. Vivemos em uma democracia e todos têm liberdade de expressão. Inclusive para dizer bobagens e idiotices, como fizera Marauê. A atitude de Fábio Novo é bem velha. Cheira a Ditadura e a Fascismo. E nesse caso, tenho que concordar com o direitista insosso da revista “Veja”, o Reinaldo Azevedo. Se tivermos que censurar todo espetáculo porque alguém criticou o Piauí, vamos exigir também que censurem todos os piauienses que chamam os baianos de preguiçosos, que chamam os gaúchos de “bichas” e os cariocas de malandros (no sentido ruim do termo). Lembremos do que o atrapalhado político do Piiiiiiiauí, Mão Santa, disse, preconceituosamente, ao anunciarem o primeiro transplante de coração do estado: "Nossos vizinhos maranhenses matam galinha preta, queimam vela e batem tambores na macumba. O pessoal daqui apela para os estudos científicos" (Revista Veja, 2001). E sabemos que muitos piauienses, possivelmente os mesmos que prometeram agredir o ator, devem ter rido à beça do comentário de Francisco de Assis Morais.
Uma coisa é importante que se diga: sou piauiense e estou certo de que o comentário do ator paulista foi infeliz e de profundo mau gosto. Mas isso não é motivo para se criarem polêmicas vazias que só fazem piorar a imagem do nosso cenário cultural e político – como fizera o cantor Frank Aguiar e alguns jornalistas insipientes que escrevem para conhecidos sites de Teresina. Sinceramente, amigos conterrâneos, acho que proibir a apresentação da peça foi muito mais feio do que a frase citada por Marauê.
Piauienses, não vamos nos iludir com esses falsos “Heróis do Jenipapo”, que estão interessados, na verdade, é em ter audiência nos meios de comunicação e se promoverem politicamente. Esqueçamos dos livros que retiram o mapa do estado, esqueçamos de comentários de empresários que acham o Piauí sem importância para a economia, esqueçamos de humoristas que brincam com nossa terra. Afinal, cada um tem o direito de se expressar e de dizer coisas interessantes ou asneiras. Não vamos endossar o discurso de políticos corruptos que fazem uma sessão na Assembléia para criticar a “Globo” pelo fato de uma piauiense não ter vencido o Big Brother. Não aumentemos, em nenhuma hipótese, a textura desse coro musical cheio de chauvinismos e ressentimentos.
Parece mesmo, como nos dissera o fabuloso filósofo e articulista Luiz Felipe Pondé, que vivemos em um mundo que, a todo o momento, mente sobre si mesmo. Aqui, no Brasil, estamos viciados (tal qual um usuário de crack em estado terminal) no discurso da igualdade, do respeito, da convivência com as diferenças. Não que tal discurso seja totalmente equivocado, mas é que ele se transformou em uma verdadeira “ditadura da coletividade”. Hoje, mais do que nunca, creio piamente nas palavras de Nélson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”.

4 comentários:

  1. Seus textos são de muita contribuição à pesquisa, sobretudo aos piauienses. Se pudesse utilizar ferramentas que oferecem links nas postagens, poderíamos fazer colagens para outros endereços.
    Grata!
    Rosa Nina
    http://rosaninacarvalhoserra.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Obrigado. Na verdade é até simples usar estas ferramentas. é que as vezes eu esqueço de utilizá-las. agradeço pela dica...já me cobraram isso em outras ocasiões.

    um abraço

    ResponderExcluir
  3. E ainda me chamam de revolucionária, imagina se meus amigos conhecessem suas opiniões! ... Suas verdades sempre sobrepõem as minhas. Parabéns! Maravilhoso texto.

    ResponderExcluir
  4. uma vez o caetano veloso disse que a Bahia era o cu do mundo,no sentido sujo e sensual da palvra,tentando justificar a capa de um de seus discos,eu achei de extremo mal gosto,mais parece que nenhum Bahiano grilou com isso.

    ResponderExcluir