Gustavo Santaolalla, compositor argentino |
UMA BABEL DE SONS*
Alfredo Werney
“Babel” (Babel, 2006) é o fecho da pungente trilogia do diretor Alejandro Gonzáles Iñárritu (que inclui Amores Perros e 21 gramas). Trata-se de um filme que nos conduz a uma instigante reflexão sobre a incomunicabilidade das diversas etnias que compõe o mundo contemporâneo. Uma mescla de variadas cores, formas, texturas, sons compõe a paisagem expressionista pintada pelo diretor mexicano. A música, coadunada com essa estética, também reflete este espírito de misturas de sensações. Cada etnia é representada/ apresentada por diferentes gêneros musicais (na maioria das vezes na própria diegese fílmica): bandas musicais latinas tocando cumbies, tex-mex, mariachis e boleros tradicionais como “Tu me acostumbraste” – México; oud - instrumento oriental de cordas parecido com o alaúde – Marrocos; o universo sonoro dos sintetizadores das boites ocidentais – Japão. Não se trata, contudo, de meras associações de espaço fixadas pela música. A composição de Babel aprofunda nossa leitura sobre os diversos países que nos são mostrados.
Em geral, a música de Santaolalla é econômica: pontua como uma voz paralela cada momento de dor e angústia passado pelas pessoas que formam o mundo babélico. Em nenhum momento as intervenções musicais demonstram um caráter dramático e triste. São diversas texturas tocadas, principalmente pelas cordas, que nos transmitem uma sensação de algo vago e circular. Desse modo, não cabe na concepção sonora a ideia de a música ser uma espécie de ênfase das imagens visuais. A música é, antes, uma geradora de contrastes. Uma criadora de diferentes atmosferas.
O uso estético do silêncio é levado às últimas consequências nessa película. Algumas vezes o som é suprimido, mostrando-nos que estamos percebendo o mundo do “ponto de vista” de Chienko, uma japonesa com deficiências auditivas. As tomadas em que a jovem está na boite com as amigas servem de exemplo: o som naturalista do espaço é retirado e passamos a “ouvir” o silêncio como se fôssemos a própria personagem. A utilização do silêncio, neste caso, não é apenas como um simples efeito estilístico. O silêncio se apresenta na própria “carnadura” da obra fílmica, o que transforma a linguagem sonora não apenas em um meio de transmissão de conteúdos, mas no próprio “conteúdo” representado.
O deserto de Marrocos nos é mostrado sonoramente através de um solitário e grave oud (instrumento de cordas parecido com o alaúde). Em algumas passagens, Santaolalla sincroniza o seu instrumento com o giro do helicóptero que resgata o casal de turistas americanos. Os ostinatos das cordas transmitem a sensação de algo circular, como o próprio movimento das hélices. O compositor criou, a partir de um simples movimento de um objeto em cena, uma construção audiovisual de rara beleza e gratuidade poética.
Certamente, há na música de Gustavo Santaolalla para essa película, mais do que em outros trabalhos de sua autoria, uma tendência ao “minimalismo”, uma busca do “procedimento do menos”. Sua música é anti-retórica, recusa complexas texturas polifônicas e ornamentos desnecessários. Contribui, de maneira decisiva, para que a obra do diretor mexicano não seja pautada por um realismo “cru” e sem poeticidade. Tal qual a obra nino-rotiana para os filmes de Fellini, a música de Gustavo gera um não-realismo sonoro, um contraponto em relação à banda visual. Efetivamente, Gustavo Santaolalla recria a realidade, tornando-a mais intensa e mais poética, através do discurso musical.
*Este texto é parte do ensaio "Na trilha de Gustavo Santaolalla", com algumas alterações.
Disponível em: http://desenredos.dominiotemporario.com/doc/9_Ensaio_-_Alfredo_Werney.pdf
*Este texto é parte do ensaio "Na trilha de Gustavo Santaolalla", com algumas alterações.
Disponível em: http://desenredos.dominiotemporario.com/doc/9_Ensaio_-_Alfredo_Werney.pdf
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