UM NOBEL PARA BOB DYLAN, UM PRÊMIO PARA A CANÇÃO
Alfredo
Werney
Os puristas e os “idiotas da
objetividade”, como dizia Nélson Rodrigues, dirão que dar um “Nobel de
Literatura” para um músico popular como Bob Dylan é um absurdo, um sintoma do
mundo pós-moderno, superficial e avesso à inteligência. Já está chovendo de
beletristas e intelectuais na internet colocando em xeque e até mesmo
esculachando, sem argumentações consistentes, a premiação concedida ao songwriter estadunidense. Muitos leitores
estão desenterrando, sem saber, um ódio ancestral que há – pelo menos por parte
de alguns literatos, como o brasileiro Bruno Tolentino – entre escritores acadêmicos
e compositores populares. Não deixa de ser mais um capítulo, com pequenas
nuanças, da chatíssima e repisada polêmica travada entre os que defendem a
chamada “alta cultura” e os que estão mais abertos aos produtos da “indústria
cultural”.
Não acho, sinceramente, que o “Nobel
de Literatura” é um atestado de qualidade indiscutível, tampouco uma forma de
medir a importância da obra de um escritor, mas é inegável a força que esse
prêmio exerce no processo de divulgação do trabalho de artistas contemporâneos. De
qualquer modo, fiquei bastante feliz com a escolha de Bob Dylan. Parece agora
que estamos reconhecendo que a letra de canção é sim uma modalidade de
literatura e que ela é capaz de discutir assuntos com profundidade e de apreender
as experiências mais complexas do mundo. Na verdade, essa escolha da Academia
Sueca contribui para abalar mais ainda os conceitos cristalizados de literatura.
Não dá mais para sustentar, em épocas de cibercultura,
que o único suporte da arte literária é o livro. Pensar assim é também esquecer
que a rica tradição da literatura portuguesa, por exemplo, se inicia com a oralidade
dos trovadores, que foram mestres no processo de articulação entre texto e
música. E o que é Dylan se não um trovador moderno, que renovou essa tradição por
meio de letras lúcidas e de alta elaboração literária?
Além da gigantesca importância de
Dylan para a estética da canção norte-americana e mesmo para a canção universal,
é visível que sua obra está presente no imaginário coletivo de forma mais
intensa do que a literatura de muitos escritores acadêmicos. No Brasil, essa
riqueza da música popular fez com que ela ocupasse, muitas vezes, um espaço
maior do que as obras dos escritores stricto
sensu, o que fez da canção uma forma de
riflessione brasiliana, como disse Zé Miguel Wisnik. Não me sinto
constrangido em dizer que, na adolescência, minha mente foi povoada muito
mais pelas ideias e letras de Cazuza, Renato Russo, Humberto Gessinger e Raul
Seixas, do que pelos livros dos vários escritores que estudei na escola – escritores estes
que eu lia, na maioria das vezes, de forma superficial e apressada. Não estou
dizendo, é evidente, que a música popular é mais importante e que ela pode
substituir a literatura dos livros. Só
acredito que são duas experiências de grande valor, e não excludentes, na
formação cultural de uma pessoa.
Espero que, com esse prêmio – um
prêmio que, queiramos ou não, tem uma enorme repercussão nos meios de
comunicação de massa –, o trabalho dos cancionistas seja cada vez mais
valorizado e apreciado em todo o mundo. É fundamental que, no caso do Brasil, o
artesanato literário de um Paulo César Pinheiro, de um Aldir Blanc e de um
Carlos Rennó, só para citar alguns de nossos principais letristas, conquiste um
lugar de maior destaque e seja lido de forma mais cuidadosa. Desejo ainda que,
a partir dessas modulações que vem ocorrendo no universo conceitual da literatura, os
interlocutores da canção não deixem de ler os clássicos, mas também não se
sintam menor ou menos inteligente porque preferem Caetano Veloso, Chico
Buarque, Cole Porter e Bob Dylan a um escritor consagrado...
Excelente texto,eu acrescentaria além de Bruno Tolentino,Olavo de Carvalho e Rodrigo Constantino,nomes da direita raivosa tupiniquim.A crítica só é feita porque nossos grandes letristas estão filiados eticamente e esteticamente à esquerda do espectro político,simples assim.
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