OSCAR 2010: A MÚSICA NAS ALTURAS
Alfredo Werney
Não há como não reconhecer a importância das premiações, embora saibamos de todas as contradições que há nelas. Como bem nos disse Ismail Xavier, em sua entrevista a revista Desenredos, “temos de reconhecer que foi [as premiações] uma função da crítica desde os festivais das peças trágicas na Grécia antiga. Com todos os problemas, é uma forma de apontar quem ou qual função contribui mais para a qualidade de um filme”. Michael Giacchino, compositor estado-unidense, há algum tempo já vinha merecendo ser agraciado com o Oscar de “melhor música”. É de sua autoria as composições de “Os incríveis” (The incredibles, 2004) e de “Ratatouille” (Rataouille, 2007). Giacchino, em 2010, recebeu então o Oscar de “Melhor Música” pela composição de “Up - altas aventuras” (Up, 2009), da imbatível “Pixar Animation”. Ganhou também o “Globo de Ouro”, pela composição da mesma trilha musical.
Michael Giacchino, desde a trilha musical de “Rataouille”, vem nos mostrando que é possível se pensar em música de animação de uma maneira diferente das tradicionais trilhas a la maniera “mickeymousing”. É claro que há vários efeitos “mickeymousing” [ou seja, efeito no qual a música enfatiza exageradamente cada movimentação dentro do quadro] no trabalho de Giacchino, mas ele procura, na medida do possível, remanejar os velhos e cansativos clichês que já foram cristalizados e nos apresentar um tipo de trilha musical que muitos diriam que se trata de uma música composta para um filme com personagens humanos e não para uma animação. Não quero dizer com isso que há superioridade na trilha composta para filmes com personagens humanos, mas sim mostrar que o modus operande é diferente em cada tipo de filme. Michael não exagera no tempo de música, não busca obstinadamente pontuar todas as curvas dramáticas do enredo, nem marcar ritmicamente todos os movimentos dos personagens: elementos comuns da gramática musical das animações.
Em “Rataouille”, o trilhista nos propôs uma mescla de jazz com a tradicional trilha orquestral. O resultado, como se observou, foi muito interessante: o jazz funcionou perfeitamente para narrar as peripécias do ratinho Remy correndo pelos espaços do restaurante “Gusteaus”. Além disso, se criou um interessante contraste entre o jazz e a música orquestral: o jazz como algo mais voltado para um espírito dionisíaco e instintivo (os ratos) e a música orquestral de tradição européia como algo mais “apolíneo”, mais racional (os humanos).
A música de “UP” – inspirada em elementos do jazz – possui uma força narrativa que muito me impressionou. Nas primeiras seqüências do filme, em que se narra a história da vida do casal, a composição de Giacchino comenta (com mestria e com riqueza de detalhes) cada momento vivido pelos personagens. Não há, porém, como já comentei anteriormente, o exagero de ênfases musicais que se observa em muitos desenhos animados. No segundo momento do filme, o compositor do seriado “Lost” optou por uma composição musical mais movimentada ritmicamente e de expressão musical mais intensa, certamente para representar toda a poesia vivida no céu pelo velhinho e o jovem escoteiro. É possível mesmo que “visualizemos”, em algumas seqüências, a música de Michael, com seus agudos brilhantes e intensos, subindo aos céus junto com os balões coloridos de Carl. A música está realmente nas alturas...
Observamos que, há algum tempo, o Oscar vem premiando composições musicais que fogem ao conhecido padrão das grandes orquestras sinfônicas. Padrão que se firmou por muito tempo na história das premiações norte-americanas. O argentino Gustavo Santaolalla, por exemplo, foi premiado em 2005 (Brokeback Montain) e 2006 (Babel). Santaolalla não é um compositor de formação erudita e sua obra para o cinema trata-se de com composições de texturas mais leves, com o uso de instrumentos atípicos como o oud, uma concentração mais nas texturas musicais do que propriamente na condução da melodia. Ou seja, um modus operande que difere das trilhas musicais tradicionais (as mais “premiáveis”, poderíamos assim dizer).
“UP”, embora esteja dentro de um padrão de produção mais clássico [clássico aqui não no sentido da música do período classicista], traz novos elementos musicais e nos propõe uma forma mais livre de se construir trilhas musicais de animação. Um modelo de composição que, além de pontuar as movimentações rítmicas da montagem, expressa a dimensão psicológica das personagens de forma mais rica e nos revela um universo artístico mais poético.
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