A MOENDA, POEMA DE DA COSTA E SILVA
Por Alfredo Werney
Na remansosa paz da rústica fazenda,
à luz quente do sol e à fria luz do luar,
vive, como a expiar uma culpa tremenda,
o engenho de madeira a gemer e a chorar.
Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda;
e, ringindo e rangendo, a cana a triturar,
parece que tem alma, advinha e desvenda
a ruína, a dor, o mal que vai, talvez, causar...
Movida pelos bois tardos e sonolentos
geme, como a exprimir, em doridos lamentos,
que as desgraças por vir, sabe-as todas de cor.
Ai, dos teus tristes ais, ai, moenda arrependida
- Álcool! para esquecer os tormentos da vida
- e cavar, sabe Deus, um tormento maior!
(Da Costa e Silva)
Da Costa e Silva é efetivamente um dos poetas mais musicais da nossa literatura. A forma como constrói os seus versos, faz do poeta piauiense um autor muito próximo da literatura simbolista, na qual se observa uma primazia pela musicalidade eufônica e o uso constante de figurações no som. No poema “A moenda”, retirado do seu livro “Zodíaco”, ele nos exibe um raro virtuosismo literário, principalmente no que se refere aos componentes fônicos da construção do verso. Quando comecei a me interessar pelo estudo da melopoetica (ou seja, dos aspectos musicais da construção do texto literário), logo percebi que a leitura dos poemas de “Zodíaco”, e mesmo de outras obras do mesmo autor, era de grande valor para se compreender a interessante e complexa relação entre música e literatura.
Em “A Moenda”, o primeiro recurso que nos chama a atenção é a repetição insistente da consoante alveolar r. Esta consoante cria um efeito fônico muito sugestivo, já que está presente em grande parte dos versos. O ruído simboliza a sonoridade ríspida da moenda, o seu “choro” e “gemido”, como nos diz o poeta. O efeito onomatopaico fica mais claro na segunda estrofe:
Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda;
e, ringindo e rangendo, a cana a triturar
O ritmo fônico deste verso é gerado pela sonoridade constante da consoante vibrante r e da fricativa g. Em relação ao uso das vogais, observamos que a seqüência das nasais imprime no texto um ritmo arrastado e uma sonoridade mais fechada. Vejamos também que a pontuação (vírgula e ponto-e-vírgula) contribui mais ainda para engendrar a sensação de lentidão do poema. A cadência rítmica criada sugere o próprio movimento de uma moenda, “movida pelos bois tardos e sonolentos”.
“A Moenda” é um poema cujo ritmo e sonoridade, a todo o momento, nos proporcionam uma sensação de dureza, de cansaço. Os adjetivos e substantivos escolhidos pelo poeta estão intimamente concatenados com os elementos estruturais: Tristes, arrependida, sonolentos, doridos lamentos, ruína, dor, desgraça. Observamos que o escritor procura harmonizar o ritmo fônico com a semântica, o que dá unidade ao texto poético.
Da Costa e Silva nos apresenta – através de uma linguagem rica em efeitos onomatopaicos, assonâncias e aliterações – uma moenda personificada, que geme, chora e parece ter alma. Esta musicalidade que simboliza a própria “coisa representada” no poema, como é o caso de “A Moenda” e dos poemas da Fauna, é comum a encontrarmos na obra do escritor piauiense. Muito mais que “um poeta telúrico que canta as belezas de sua terra natal”, Da Costa e Silva é um arquiteto do verso, um engenheiro que experimenta incansavelmente as potencialidades musicais da palavra.
Realmente Da Costa e Silva é um engenheiro meticuloso com a sonoridade de seus versos.
ResponderExcluirCertamente o maior poeta piauiense.
Parabéns pelo texto!
Assino embaixo sobre o que disse o Zé.
ResponderExcluirAtropi