MORRICONE POR MORRICONE (2007)
Raras vezes nos deparamos, na história da música de cinema, com uma paisagem sonora tão sugestiva: assobios inseridos em arranjos orquestrais, guitarras elétricas mescladas com cordas friccionadas, vocalizes femininos, orquestra acompanhada por seção rítmica (bateria, baixo, teclado), flautas pan, gaitas, sinos, efeitos produzidos por sintetizadores, coro funcionado como percussão. Este universo de signos sonoros constitui a base material da música de Ennio Morricone.
Ennio Morricone nasceu na Itália e estudou na Academia de Música de Santa Cecília, em Roma. Seu professor, Goffredo Petrassi, foi responsável por incentivar o maestro romano a escrever várias peças eruditas e a conhecer os compositores basilares da música erudita: Bach, Vivaldi, Igor Stravinsky e Béla Bártock, dentre outros. A experiência do maestro no cinema iniciou-se em 1961, com a película O fascista (Il federale, 1961) do diretor Luciano Salce. Morricone trabalhou com vários diretores que foram essenciais na história do cinema mundial, como Píer Paolo Pasolini, Giuseppe Tornatore, Roman Polanski, Sergio Leone, Brian de Palma, Francis Ford Coppola, Luchino Visconti, Dario Argento, Bernardo Bertolucci, Pedro Almodóvar.
A música de Morricone é complexa, se quisermos analisá-la como funciona em harmonia com as imagens. Dois aspectos, entretanto, nos despertam uma maior atenção: a intensa pesquisa com os timbres e as texturas e o papel ativo das intervenções musicais. As composições do maestro romano buscam sempre relacionar fatos, personagens, situações com certas texturas e timbres. Em geral, sabemos, a melodia é quem desempenha um papel central na construção dos temas da maioria das trilhas sonoras que ouvimos. Mas em Morricone, as texturas criadas, a riqueza timbrística, os diferentes planos sonoros, são componentes tão importantes quanto o desenho melódico. Outro aspecto relevante de seu trabalho é o caráter ativo das intervenções musicais. Em geral, a música de Morricone não quer explicar a cena, mas sim gerar uma reflexão, propor a leitura desta de uma maneira mais livre e mais poética. Vejamos, como exemplo, as suas trilhas musicais para os western de Sérgio Leone. Ennio cria um estilo composicional, por assim dizer, “irônico” e “jocoso”. A música, em vez de contribuir para o reforço da dimensão visual (como se observa na maioria dos faroestes), opta por realizar comentários musicais engraçados e incisivos. Certamente uma herança da opera buffa.
O DVD Morricone por Morricone: eu amo cinema e música (2007), dirigido por Giovanni Morricone, é o registro de um concerto realizado em Munique (Alemanha) no dia 20 de outubro de 2004. A interpretação das dezoito trilhas musicais elencadas ficou por conta da “Orquestra Filarmônica de Munique” e do coral “Bavarian Radio Chorus”. O repertório é bem variado e inclui suas composições para o cinema mais marcantes: Os Intocáveis (1987), Cinema Paradiso (1988), A Missão (1986), Três homens em conflito (1966), Quando explode a vingança (1971), A Lenda do pianista do mar (1999), Era uma vez na América (1985), Era uma vez no Oeste (1985), Cânone Inverso (1999), dentre outros.
O registro audiovisual da obra de Ennio Morricone, que já compôs mais de quatrocentas trilhas musicais, é de grande valor para os estudiosos de cinema e também para os apreciadores das composições do italiano. Muitos dizem que a música de cinema só funciona quando está em sincronia com as imagens, ou seja, as trilhas sonoras não servem para serem apreciadas fora dos filmes. O trabalho musical do maestro quebra tais argumentos (quiçá preconceituosos) contra a música dita “não-pura”, como é o caso de uma composição para cinema. Ouvir Morricone em casa, fora das imagens, é uma experiência estética tão gratificante quanto ouvi-lo no cinema.
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