sábado, 22 de janeiro de 2011

cinema



O CURIOSO CASO DE FORREST GUMP E BENJAMIN BUTTON


Adriano Lobão Aragão*


Diretor de alguns filmes antológicos, como Seven (Seven, 1995), Clube da Luta (Fight Club, 1999), Zodíaco (Zodiac, 2007), e sério candidato ao Oscar com seu recente trabalho, A Rede Social (The Social Network, 2010), o americano David Fincher realizou em 2008 uma adaptação de O Curioso Caso de Benjamin Button, conto de F. Scott Fitzgerald, publicado em 1922 no volume Tales of the Jazz Age. A perfeição estética orquestrada por David Fincher em O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008) chega a ser um caso à parte nessa película extremamente bem produzida, característica notória na obra cinematográfica do diretor. O apuro visual, a articulação milimétrica entre os processos de filmagem e montagem atestam a sobriedade e o comprometimento artístico-formal que balizam sua trajetória, provavelmente fruto de seu período de iniciação profissional no cinema, quando ingressou na Industrial Light and Magic, de George Lucas, e teve oportunidade de trabalhar em O Retorno de Jedi (Star Wars Episode VI: Return of the Jedi, 1983) e Indiana Jones e o Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984), este último dirigido por Steven Spielberg. Além disso, a montagem ágil guarda resquícios de seu trabalho como publicitário e diretor de elogiados videoclipes de Madonna, Aerosmith e Paula Abdul, dentre outros, detentores de prêmios e listados pela MTV entre os 100 melhores do século XX. Então, após uma estréia conturbada como diretor de longa-metragem com o mal-sucedido Alien 3 (Alien 3, 1992), Fincher crava seu paradigma estrutural a partir de Seven, que o projeta a um novo patamar.

Mas, voltando a O Curioso Caso de Benjamin Button, além dos méritos técnicos, entre o elenco destaca-se a atuação sempre competente de Cate Blanchet. Mas, infelizmente, o que mais permeia o filme é uma incômoda sensação de “deja vu”, na qual diversas vezes a estranha existência de Benjamin Button parece um revival da jornada de Forrest Gump, o Contador de Histórias (Forrest Gump, 1994), que, aliás, foi escrito pelo mesmo roteirista, Eric Roth (em Forrest, contou com o auxílio de Charlie Peters e Ernest Thompson). Dirigido por Robert Zemeckis, outro diretor cujo contato com Steven Spielberg foi fundamental para o direcionamento de sua carreira, embora, ao contrário de Fincher, nunca tenha se desprendido da sombra de seu tutor. De qualquer forma, Benjamin soa como um outro contador de histórias que, a exemplo de Gump, narra seu ponto de vista calcado na não compreensão da própria existência, ou numa compreensão bem pessoal. E daí desfilam outras semelhanças, como a relação com a fé e a religião; Gump cresceu numa pensão e Button num asilo; o envolvimento em guerras (Vietnã e II Guerra Mundial, respectivamente), sobrevivendo ambos a um fulminante ataque inimigo; a correlação entre o capitão do navio de Button e o tenente Dan de Gump é evidente, bem como o anão pigmeu e o soldado Bubba, ambos falastrões, cumprem funções semelhantes, como confidentes de um homem deslocado da sociedade dita “normal”; a paixão de infância vivenciada aos pedaços, em meio a trágicas complicações, como o acidente da amada de Button ou a doença da amada de Gump, mas é dessa relação que advém um filho, seu saudável legado. Enquanto o personagem de Tom Hanks (Forrest Gump), por suas limitações psicológicas, não consegue amadurecer, adentrar no mundo adulto, o personagem de Brad Pitt (Benjamin Button) já nasceu velho fisicamente, um idoso-criança, e caminha para infância, onde todo amadurecimento que conseguir acumular terminará inevitavelmente no que deveria ser seu ponto de partida.

Ao longo de toda sua trajetória às avessas, como o relógio inaugurado no início do filme, que gira ao contrário, emana a impressão de que Button é sempre o mesmo, como alguém que, por nascer velho, não lhe fosse possível amadurecer. No final dos dois filmes, resta uma criança chamada Forrest Gump vai à escola, porém, já não é o mesmo Forrest, nosso contador de histórias, mas seu filho; e uma criança chamada Button que inevitavelmente irá desaparecer. Há ainda, na construção do roteiro de Eric Roth, uma questão fundamental: era realmente essencial para história a leitura do diário de Benjamin Button em um quarto de hospital enquanto se aproximava a fúria do furação Catrina? É que os momentos mais irregulares do filme de Fincher acontecem justamente ali, naquele espaço que Fincher e Roth usaram para impulsionar a narrativa adiante, adentrando lamentavelmente por clichês melodramáticos e outros artificialismos desnecessários a uma obra cinematográfica bem estruturada. Mas enfim, não seria uma má história, basta ler o conto original de F. Scott Fitzgerald e imaginar as inúmeras possibilidades.

[Publicado no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 11 de janeiro de 2010]


* Adriano Lobão Aragão é poeta, professor e editor da "Revista Desenredos".

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