RONALDO DE NAZARÉ
(Por Alfredo Werney)
O clima assemelhava-se ao de um funeral. E mais ainda: a sensação era a de que estava perdendo, para sempre, um ente muito querido. Não se tratava, pois, de uma mera despedida. Assim me senti ao assistir, pela TV, a renúncia de Ronaldo do futebol. Pelo menos seu adeus como jogador. As dores musculares e o peso do próprio corpo fizeram parar um dos maiores personagens futebolísticos que já pude ver em minha vida. Bem de longe, é verdade. A única vez que o vi foi no ano de 1996 no estádio “Albertão”, em Teresina-PI, quando eu tinha apenas 14 anos de idade. Estava na “geral”, que, por sinal, era um dos setores mais lotados do campo. O jogo tratava-se de um simples amistoso entre Brasil e Lituânia (uma insipiente seleção da República Báltica). Mas o jogo não era tão simples assim, pois havia naquela ocasião o maior camisa 9 da história do nosso esporte. Aliás, nesse mesmo amistoso, o atleta marcou três gols. Num deles o jogador aproveitou a falha do zagueiro, tomou a bola e driblou, ao mesmo tempo, o goleiro e outro marcador. Golaço!
O notável cineasta e poeta italiano Pier Paolo Pasolini dissera certa vez que o futebol latino-americano – em especial o brasileiro – era jogado com poesia, enquanto que o futebol europeu era jogado de maneira prosaica. Muitas das vezes uma prosa enfadonha que visava tão-somente fazer sucessivas triangulações até chegar – de maneira racional e programada – ao lance do chute para o gol. O que mais me preocupa é exatamente a perda constante dessa beleza poética (de que nos fala Pasolini) do nosso futebol em virtude da famigerada “otimização do rendimento”. Otimização esta pregada pela maioria dos clubes do futebol brasileiro e por técnicos truculentos a la maniera de Dunga. Uma herança ruim de origem parreriana. Contra essa doença crônica nada melhor do que fortes doses de Neymar, Ganso, Gaúcho, Dentinho e alguns outros – que não são muitos, diga-se.
Ronaldo representa essa força motriz que gera algo para além do resultado. E esse “algo a mais” (a concentração no próprio “ato de jogar”, como algo belo e transcendental) é o que há de mais interessante no futebol, a meu ver. Nazário retoma o pathos garrinchiano. Tanto para o “anjo de pernas tortas” quanto para o fenômeno, o jogo de futebol é uma espécie de dança improvisada, na qual cada movimento é tão ou mais importante do que o instante explosivo do gol. Por outro lado, o craque também atende a demanda dessa tal “otimização do rendimento”, uma vez que é muito eficiente no ato de colocar a bola na rede. Maior artilheiro de Copas do Mundo, várias vezes do Campeonato Espanhol, goleador do Campeonato Mineiro e da Copa América – fatos que comprovam sua indiscutível eficiência.
O futebol de Nazário de Lima reúne, ao mesmo tempo, beleza e eficiência, gratuidade poética e pragmatismo, força física e flexibilidade. É Apolo e Dionísio numa só arcada. Não há nenhum fundamento básico do futebol que o jogador não domine com mestria. Essas características fazem dele um atleta como poucos. “Completo [...] tudo pra ele é mais fácil”, nas palavras de seu talentoso discípulo Ronaldinho Gaúcho. Um jogo com Ronaldo em campo pode estar sendo a mais enfadonha das prosas, mas, permanecemos sempre atentos. Sabemos que, a qualquer minuto, pode surgir ali um momento de irrupção poética em meio a todo aquele prosaísmo insípido.
Ronaldo, ao retornar para o Brasil, virou de fato uma “bola em campo”. Gordo e flácido. Mas, ao entrar nas quatro linhas, enxergava o que estava para além de seu raio de visão. O retorno de Ronaldo provou que futebol não é tão-somente uma atividade corporal, mas, em grande parte, uma atividade mental. O jogador foi capaz de prever várias jogadas antes mesmo de tocar a bola (enquanto os jogadores menos talentosos ainda estavam presos ao tiro de meta), de movimentar-se para onde a bola não estava, de fazer lançamentos para espaços aparentemente vazios. Sua péssima forma física foi compensada por uma mente que agia tão rápida e precisamente como a de um Garry Kasparov ao jogar xadrez.
O futebol, que não deixa de ser uma espécie de espetáculo artístico, perdeu um de seus maiores artistas. Sim, artista. Não temo comparar a capacidade de Ronaldo com a de um escritor da altura de Manuel Bandeira ou com a de um pintor da envergadura de Portinari. O que diferencia um gênio do outro é apenas o meio de expressão. O problema é que no Brasil somos apaixonados por futebol, mas não acreditamos que há inteligência nesse universo. Tratamo-lo tão-somente como um mecanismo de fuga do nosso cotidiano árduo. Prefiro as palavras de Nélson Rodrigues (profundo conhecedor do esporte) que diz que “a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana”, a essa querela chata propalada pelos espíritos mais pragmáticos (“Futebol é pura alienação, não ganhamos nada com isso!”).
Ronaldo Nazário de Lima não se limitou a jogar futebol. Ele alargou a dimensão plástica e poética desse esporte. Mostrou que a eficiência pode vir coadunada com a gratuidade. Provou que a obstinada busca pelo resultado não deve suplantar a beleza plástica do jogo. Ronaldo, enfim, foi um poeta que escreveu com as pernas (ainda que fragilizadas pelas sucessivas cirurgias) e transformou o futebol em um verdadeiro momento de pura epifania.
Perfeito Alfredo !
ResponderExcluirVALEU RONALDO !
MUITO ORGULHO DE VOCÊ TER VESTIDO O MANTO ALVINEGRO DE PARQUE SÃO JORGE !
Foi sensacional vê-lo fazer aqueles golaços contra porcos , sardinhas e bambys . A cara de PAVOR dos zagueiros adversários quando você saia atrás e chegava na frente nas disputas de bola !!!
Aos invejosos , se recolham em sua eterna dor-de-cotovelo . O MAIOR centroavante da história do futebol MUNDIAL jogou no CORINTHIANS !!!
VALEU FENÔMENO !
GILSON
Vá se tratar, Mohamed! Acupuntura dá um jeito nisso, rapaz.
ResponderExcluirSerá que é mal de Alfredos aceitarem a condição de vassalos e subespécies? Conheço um outro com a mesma síndrome. Eita brazilzão!!!
Não entendi esse comentário, confesso. É sempre bom se identificar ao comentar...
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