sábado, 16 de abril de 2011

URBANO ERBISTE





(fotografias de Urbano Erbiste)






URBANO ERBISTE: A POESIA VISUAL EXTRAÍDA DO GROTESCO


(Alfredo Werney)


Fotografia raramente se propõe a ser arte. Não que ela seja menor do que as outras expressões artísticas, mas é que poucos fotógrafos – pelo menos aqueles que trabalham para jornais de grande circulação – preocupam-se em interpretar e recriar esteticamente a realidade através das lentes. Geralmente, busca-se apenas documentar as coisas de maneira que cause um maior impacto ao interlocutor. Urbano Erbiste, um jovem fotógrafo do Rio de Janeiro, nos mostra sempre uma preocupação artística e um labor estético ao fotografar as coisas. Seu trabalho representa, a um só tempo, a realidade documental e momentos de extrema poesia. Refiro-me à poesia retirada da realidade grotesca (em especial da violência nos morros cariocas) e de situações cotidianas, que, a princípio, parecem-nos demasiado comuns e prosaicas para que se extraia poesia delas.

A fotografia (a primeira acima exposta) nos impressiona desde a escolha do lugar pelo fotógrafo. Uma paisagem tão bucólica como a que vemos está povoada de urubus – animais que, a primeiro plano, nos causam certo desconforto e nos remetem a idéia de sujeira e podridão. Não é comum aos nossos olhos, admitamos, uma fotografia criar um lirismo tão singular com tantos urubus inseridos no mesmo quadro - a menos que algum interlocutor desajustado ache que os urubus são as coisas mais lindas e poéticas do reino animal. Urbano Erbiste parece sempre estar no momento exato em que a natureza expõe sua poesia grotesca e indelével. Impressionam ainda nessa foto o ritmo e a perspectiva criados pela série de urubus pousados nos paus da cerca. A linha sinuosa e negra contornada por urubus produz um interessante contraste visual com a montanha verde. Observemos ainda que as várias direções dos bicos das aves dão mais movimento e dinâmica ao quadro. A árvore que está repleta de aves negras também é de grande beleza. Parece mesmo que, dessa árvore pobre e seca, brotam os animais em vez de frutos.

Urbano Erbiste possui várias outras fotografias de mesma intensidade poética, a maioria delas nos morros e nos espaços pobres e sujos do Rio de Janeiro*. Tal qual Baudelaire faz nos poemas, o fotógrafo extrai - com rara sensibilidade, diga-se - a beleza da imanência visual das coisas feias e trágicas (a terceira e quarta foto expostas deixam claro esta opção estética). O contraste, como se pode observar está presente em grande parte de sua obra: a elegância/ a sujeira; a alegria/ a violência; o belo/ o grotesco. Em uma de suas obras mais belas (a segunda acima exposta), vemos uma singela criança vestida com materiais extraídos de um dos lixões da “cidade maravilhosa”. Ela brinca de super-herói e nos olha com um impressionante tom de grandeza. Um instante único no qual se mesclam elegância e sujeira, poesia e registro documental, transcendência e prosaísmo.

O Rio de Janeiro das lentes de Erbiste é bem distinto daquele que visualizamos nos cartões postais feito para turistas e do que ouvimos nas letras de bossa-nova: uma cidade de extrema beleza e suavidade onde reinam a tranqüilidade e o amor. O mais importante de tudo isso: apesar de muitas de suas fotos serem de cenas de forte violência (uma delas mostra cadáveres de bandidos decapitados), o artista não procura despertar uma comoção fácil nem se utilizar do sensacionalismo típico dos programas policiais da TV. Urbano não julga nem exagera – como muitos fotógrafos fazem, com o intuito de conseguir um efeito impactante. Muitas das vezes um efeito gratuito e vazio. A câmera do jovem artista é exata e, ao mesmo tempo, cheia de poeticidade visual.



*As fotos podem ser vistas no blog do fotógrafo http://urbanoerbiste.blogspot.com/

3 comentários:

  1. Por acaso o Rio de Janeiro do fotógrafo elimina a existencia ou torna menor o Rio de Janeiro bossanovista?

    Um abraço.

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  2. De forma nenhuma. E eu não disse isso no meu texto. Não fiz juízo axiológico. Cada um compreende a realidade de uma maneira. O Rio de Janeiro da bossa-nova é tão verdadeiro quanto o Rio das lentes de Urbano Erbiste. Cada artista recria a realidade a partir de seu modo de entender e pensar o mundo. Tom Jobim fez de sua forma na música( diga-se de maneira muito especial e encantadora)

    um abraço!

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  3. Belo texto,você conseguiu traduzir a poesia visual em poesia verbal.

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