sábado, 23 de abril de 2011

Roberto Carlos



A ESTRANHA FORÇA DE ROBERTO CARLOS

(Alfredo Werney)


Roberto Carlos não é exatamente um mestre da canção. Seria exagero dizer que o alcance de público atingido por suas composições se deve totalmente à qualidade musical inerente a cada uma delas. Porém, seria também um grande equívoco, a meu ver, julgar o compositor de Cachoeiro de Itapemirim apenas pelos aspectos estritamente formais de seu trabalho. Digo isso pelo fato de o músico ter se tornado quase uma unanimidade nas camadas populares do país e suas canções terem se transformado em uma espécie de “canto cívico”. E é importante que algo seja dito: o seu sucesso não é puramente um jogo midiático. As pessoas realmente amam o cantor brasileiro. Dessa maneira, seria insuficiente e, quiçá injusto, escrever um texto versando tão-somente sobre os aspectos harmônicos, melódicos, vocais, ou seja, sobre a camada imanente de sua obra.

Muitos músicos – alguns desses mais refinados do que Roberto – chegam mesmo a indagar: Por que tanto sucesso? Como atingir de forma poderosa um número tão grande de interlocutores? Arrisco-me a responder tais perguntas, conquanto meus argumentos sejam ainda incipientes (necessitam serem mais bem desenvolvidos em textos mais aprofundados). Roberto Carlos possui um conhecimento musical considerável para quem se propõe a fazer música de expressão popular: estudou a arte musical com bons professores, toca (razoavelmente bem) mais de um instrumento e, ademais, tem sensibilidade e facilidade para criar melodias. Isso não explica o fato, mas nos ajuda a compreendê-lo. O compositor espírito-santense – após atravessar sua fase musical da Jovem Guarda e chegar à fase “romântica”, como se costuma falar – passou a construir melodias mais fluentes e de uma simplicidade que, muitas vezes, igualam-se aos cantos folclóricos. Além disso, o artista trabalhou temas relacionados aos amores, às paixões e à religiosidade popular – assuntos muito valorizados e apreciados pelo grande público. Esse catolicismo de inclinação popular, as melodias de grande fluidez e as letras que beiram à “breguice” (mas que são extremamente contagiosas e de fácil assimilação), coadunaram-se perfeitamente com a personalidade de muitos brasileiros.

Não desejo, com tais argumentos, dizer que Roberto não possui qualidades artísticas e que sua música agrada apenas a “massa inculta”. Não é esse o caminho que pretendo percorrer. As melodias do protagonista da Jovem Guarda são de uma simplicidade e de uma força comunicativa que poucos compositores populares conseguiram alcançar. Suas letras (com a imprescindível contribuição de Erasmo Carlos), embora sem complexidade e profundidade, concatenam-se muito bem com o percurso melódico e soam com uma naturalidade que nos impressiona. Basta ouvirmos apenas uma vez qualquer canção de Roberto Carlos e, em poucos minutos, seremos capazes de reproduzi-la integralmente. Elas se amarram em nossa memória como um nó inextricável. Uma verdadeira simbiose entre público e artista.

Há ainda um aspecto louvável na música de Roberto Carlos: suas interpretações. Muitos apreciadores de sua obra devem ter ouvido (principalmente no meio musical) críticas do tipo: “ah, ele tem uma voz fanha e sem visceralidade”. Creio ser um grande deslize pensar dessa forma. É como querer obrigar que um violonista da bossa nova toque do mesmo modo de um guitarrista flamenco. Um absurdo, do ponto de vista musical. João Gilberto não pode querer cantar como Pavarotti, pois se tratam de dois universos musicais bem distintos. O italiano está ligado ao bel canto, à tradição operística; O baiano, ao mundo apolíneo e suave da bossa nova.

Roberto está conectado musicalmente com esse universo de João Gilberto e também com o modelo interpretativo do cantor estadunidense Frank Sinatra. As interpretações do cantor de “Força estranha” (autoria de Caetano Veloso) procuram retirar os excessos: são apolíneas, concentradas no texto, na dicção exata e no arranjo musical como um todo. Roberto não quer estar além de sua banda e de seu público. Ele canta como se fosse alguém que tivesse ali no meio da platéia, descontraído e elegante. Um timbre sem grandes recursos – não se pode negar. Contudo, uma voz que se harmoniza perfeitamente com o conjunto da composição musical. Essas qualidades não podem ser esquecidas, embora muitos músicos desinformados queiram exigir do cantor uma voz operística e uma postura de palco circense que beire a histeria (como alguns momentos de Elis Regina, de Ney Matogrosso e outros). Sua voz não é impostada e dramática como a de um Nélson Gonçalves. O universo de Roberto Carlos é outro bem diferente. Não que seja melhor ou pior: apenas explora outros caminhos sonoros.

Certamente, restaria uma parcela mínima da população brasileira se fôssemos excluir desta os que gostam de futebol e os que apreciam a música de Roberto Carlos. Basta recordamos que, no ano de 1994 na América Latina, o compositor chegou a superar os Beatles (a mesma banda que tanto influenciara o iê-iê-iê da Jovem Guarda) em venda de disco. Uma verdadeira façanha. Na América Latina suas vendas são realmente de dimensões astronômicas: ultrapassam o número de cem milhões de cópias – marca nunca atingida por outro músico latino.

Se bem observarmos, o bardo da Jovem Guarda sintetiza em suas canções, de certa maneira, muitas de nossas contradições: um país, a um só tempo, hedônico e religioso; refinado e escancaradamente brega; “tímido e espalhafatoso” (como bem nos disse Caetano Veloso – um admirador declarado do compositor de Espírito Santo); exuberante e pobre. Além de uma imensa lista de outras contradições. Na própria apresentação do cantor elas estão patentes: às vezes, os arranjos são complexos e as letras muitos simples; a postura do cantor é demasiada “clássica” e elegante para interpretar canções que se encontram na orla da cafonice.

Por muitos motivos – a “estranha força” comunicativa das composições, a espontaneidade e a clareza melódica, o poder de revelar nossas contradições culturais; além de outros elementos elencados anteriormente – a trajetória musical e os setentas anos de existência de Roberto Carlos devem ser lembrados. E alguns detalhes não podem ser esquecidos pelos críticos: julgar suas canções baseando-se nos princípios teóricos da música de tradição européia é incorrer em um erro inadmissível. Embora não seja um mestre da canção (como fora Tom Jobim, Noel Rosa e Cartola), o trabalho artístico de Roberto Carlos é fundamental para que entendamos um pouco mais de nós mesmos: os brasileiros.

9 comentários:

  1. Olá! sempre leio seus textos no portal proposta, está de parabéns!
    Assim me sinto mais 'ligada' com o mundo da música, de uma forma mais técnica e crítica.

    Gostaria de lhe pedir um favor. Você poderia colocar um comentário no meu blog com o seu e-mail? é que eu estou fazendo uma pesquisa sobre canto - em breve escreverei um livro em que a personagem principal é uma cantora, portanto preciso saber de muita coisa a respeito. Pensei que você poderia me mandar textos que falem sobre o assunto, sobre o canto em si. Bom, desde já aguardo uma resosta, e se me mandar o e-mail lhe mandarei uma correspondência eletrônica explicando melhor a minha intenção.

    Agradeço a compreensão e ficarei muito feliz se caso puder me ajudar.
    Abraçosss!

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  2. Roberto carlos apesar de talentoso,só fez sucesso porque sempre fez e escolheu um repertório com forte apelo comercial,desse jeito até eu,se não fosse tão tímido.

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    1. Ademar, querido, o que Deus deu a Roberto Carlos, vc nasceu isento. kkkk se liga. Forte apelo comercial? Eu te amo, eu te amo, eu te amo, onde está o comercial, sem noção.

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  3. SIM, ACHO QUE O REPERTÓRIO DE APELO COMERCIAL AJUDOU O COMPOSITOR. MAS HÁ OUTROS COMPOSITORES QUE APELARAM E NÃO ATINGIRAM UM POR CENTO DE ROBERTO CARLOS. EU ACHO MESMO É QUE AS PESSOAS SE IDENTIFICAM COM SUA MÚSICA, SUA MANEIRA DE SER. NÃO ACHO ELE GENIAL, MAS É, NO MÍNIMO, COMPETENTE. UM ABRAÇO

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    1. Pra mim, Roberto Carlos é genial, um amor, um doce.Competente, querido, sabe falar para os corações femininos. Ah que tivessem muitos Robertos Carlos no mundo, seria muiiiiiiito melhor.

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  4. na verdade quem foi pedante dessa vez foi eu ao analisar o sucesso de Roberto carlos.competente ele sempre foi,principalmente nos anos 60 e 70 quando ele conseguiu expressar a alma e a cultura popular do Brasil como poucos.pra terminar eu não tenho nenhum dom artístico.

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  5. Quem fez essa caricatura do Roberto Carlos merece prisão perpétua. Com certeza foi feito por homem, mulher teria feito com o coração e o resultado seria o retrato de um príncipe lindo e amado. Tenho 58 anos, canto as músicas do Roberto Carlos, desde criança e nunca vi breguice nas músicas de Roberto Carlos. O sucesso do Roberto Carlos, é a soma do conjunto, Roberto Carlos é um príncipe nos olhares feminino, somado a uma boa música que fala aos corações e cantada por ele, haja coração. Quem escreve isso, é alguém que vê Roberto com o mesmo olhar de milhares de mulheres brasileiras e até estrangeiras. Tenho amigos homens que não perdem um show do Roberto Carlos. Entendeu? Brega, imagine.......

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  6. Se Elis Regina, John Lennon, Rual Seixas e Renato Russo ( poor exemplo), estivessem vivos e ativos, como Roberto. E provavel estariam achincalhando o conjunto da obra deles.

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