terça-feira, 17 de maio de 2011

canção comentada I


Retrato em branco em preto



É a primeira canção da parceria Chico Buarque/ Tom Jobim, que se deu no ano de 1968. Antes de ganhar um texto, esta obra musical era uma peça instrumental de Jobim, intitulada Zíngaro. Gravada e tocada por diversos intérpretes da MPB (como Elis Regina, Ney Matogrosso, Ana Carolina, João Gilberto, Nara Leão, MPB-4 e Quarteto em Cy) é considerada uma canção de difícil execução vocal, devido aos cromatismos e aos saltos intervalares na região aguda presentes na melodia – bem ao gosto jobiniano.
Retrato em branco e preto impressiona pela sincronia entre letra e música. A letra, que trata de um amor que já se reconhece fracassado antes mesmo de se realizar, alinha-se perfeitamente com a melodia cheia de ostinatos (as repetições melódicas) e repleta de dissonâncias que geram tensão. Essa espécie de “vai-e-vem” da melodia (que nos remete aos passos nervosos de uma pessoa) nos dá a estranha sensação de que estamos rodando insistentemente sem chegar a nenhum lugar. E esta é a visão do eu-lírico acerca das relações amorosas.
Uma gravação muito feliz é a de Elis Regina, no disco “Elis e Tom”, gravado em 1974 pela Polygram. A cantora gaúcha deixa de lado a sua veia explosiva e afetada para potencializar a idéia de desilusão e drama inerentes ao texto poético. E diga-se, a intérprete o faz com mestria. As notas estão afinadas, as palavras muito bem articuladas e o timbre em perfeita harmonia com o todo do arranjo. Já não se pode dizer o mesmo de Ana Carolina. Em prol do seu repetitivo swing e de sua batida funkeada de sempre, a cantora confunde a canção – que possui uma clara inclinação erudita – com uma composição qualquer. A cantora mineira, em algumas passagens, atropela e muda algumas notas da melodia para adequá-las ao seu registro vocal. Além disso, sua interpretação não leva em conta a dimensão melancólica e dramática que se observa claramente na letra. É evidente que todo intérprete possui uma margem de liberdade. Porém, a artista, de maneira infeliz, extrapolou o universo de possibilidades oferecido pela canção.
Tom Jobim e Chico Buarque, além de Retrato em branco e preto, compuseram outras canções de mesma envergadura, como “Sabiá”, “Anos dourados”, “Eu te amo”, “Imagina” e “Piano na mangueira”. Composições estas que experimentaram as várias possibilidades de organização do discurso poético-musical. Sem dúvidas, o dueto carioca forma uma das mais férteis parcerias da história de nossa MPB, embora tenham composto poucas obras.

Por Alfredo Werney





2 comentários:

  1. Você, como sempre muito esclarecedor!
    ...sempre que escuto essa música, imagino uma pessoa andando a ermo, com um turbilhão de pensamentos vindo de uma vez só. Perdido, no sentido mais profundo da palavra...
    Sei qeu sou suspeita pra falar, mas gosto mesmo de escutar Chico cantando essa canção...rsrs!

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  2. ah, beleza. o Chico, apesar da voz pequena, é um grande intérprete. a música realmente nos passa a sensação de alguem perdido em suas desilusões

    beijos MIMI

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