sábado, 13 de agosto de 2011

CASO FRED






CASO FRED: O FUTEBOL ALÉM DAS QUATRO LINHAS

Há algum tempo atrás se costumava falar de futebol “futebolisticamente”. Explico: o que mais interessava para o público, pelo que se via, era a plástica e a poesia visual do esporte. Dizem os mais antigos: “Como era lindo ver os chapéus do Rei, os elásticos de Rivelino, os dribles de Mané e as cabeçadas de Dadá Maravilha! Hoje se fala mais da vida alheia”. É claro que há, muitas vezes, um excesso de nostalgia. Entretanto, os antigos, de alguma maneira, estão corretos.

O fato é que com o crescimento da mídia esportiva e com a transformação do futebol em um mercado promissor, passou-se a dar mais atenção aos fatores extras-campo. Assim como se fizera em Hollywood com as estrelas do cinema (o famoso star-system) passou-se a fazer com os jogadores de futebol. Criaram-se verdadeiras estrelas futebolísticas. Menos pelo talento em campo do que pelas noitadas, os bacanais e as polêmicas com prostitutas e drogas.

A verdade é que atualmente estamos vivenciando o futebol como um espetáculo para além das quatro linhas. O patético episódio ocorrido com o atacante Fred, do Fluminense, é apenas um sintoma de tudo isso que estamos vendo na mídia esportiva. O caso: o atleta mineiro foi seguido por torcedores que o flagraram em um bar no Arpoador, zona sul da cidade do Rio de Janeiro, com o jogador Rafael Moura (também  do Fluminense) e algumas garotas. E mais ainda: estes mesmos torcedores tolos e violentos investigaram a conta do bar e constataram a presença de 60 drinques consumidos pelos dois jogadores e suas acompanhantes.

Parece que estamos compensando a falta de beleza plástica do nosso futebol atual com a divulgação de episódios polêmicos que nada tem a ver com a gramática do jogo em si. Estamos querendo buscar magia e beleza fora do jogo, já que ele, na maioria das vezes e no atual contexto, não nos oferece tais elementos. E, é importante que se diga, muitos desses episódios são inventados pela mídia ou ampliados para gerarem mais polêmica e despertarem sensações nos expectadores.

Certamente, esse é um dos fatores que atrapalha muito o desempenho de nossos atletas. Muitos deles entram nesse sedutor jogo midiático e termina por se acharem verdadeiros Clark Garbe, John Wayne, Gene Kelly, Marlon Brando, etc. Exibir novos penteados e estilos se tornou mais atraente do que exibir um bom futebol. Neymar é um exemplo. Sem dúvidas, o menino da Vila é um gênio do esporte, mas entrou nesse jogo de aparências. Cuida mais dos cabelos do que do próprio futebol.


O “Caso Fred” é talvez o que mais bem ilustra essa nova doença da imprensa esportiva. Não se sabe até que ponto irá chegar a falta de inteligência dos nossos jornalistas e cronistas de esporte (Como faz falta nosso grande Nélson Rodrigues!). Mas uma coisa nós já sabemos: essa terrível doença atingiu também os jogadores, que, em certa medida, são vítimas do processo. Os próprios atletas já sentem medo de saírem com a família para um jantar. Pode ser que naquele local, ás escondidas, estejam dezenas de jornalistas e torcedores munidos de vídeos e celulares para capturar imagens.

E o que há de errado em sair com um amigo ou com a família para um bar? O que há de tão problemático em dançar em boites e se divertir? Por que transformamos coisas banais do dia-a-dia em algo digno de apreciação e análises minuciosas de jornalistas? Temo que um dia tudo isso se transforme em um “Big Brother Futebolístico” e os torcedores comecem a instalar câmeras nas residências dos jogadores para terem um total controle de suas vidas.

Há algo ainda mais agravante no “Caso Fred”: o atacante do fluminense procurou se justificar em uma coletiva e mostrou a conta do bar, afirmando ter consumido apenas 27 drinques em vez de 60, como fora divulgado. O futebolista, com essa atitude pueril, apenas endossou o discurso da mídia e reforçou o comportamento de torcedores tolos que querem, na verdade, curar suas neuroses através do futebol. Uma cena mais que patética!

É fácil perceber que os programas televisivos de esporte gastam mais tempo comentando sobre os porres do Adriano, os bacanais de Ronaldinho Gaúcho, os travestis de Ronaldo e as noitadas de Fred, do que propriamente sobre futebol. Quem perde com tudo isso? Uma parcela da população que gosta de futebol porque se trata de um esporte belo e emocionante. Uma espécie de arte que nos provoca um efeito catártico.

A televisão, em especial, transformou jogadores em verdadeiros personagens de cinema. E todos os dias nós temos que ver nos jornais e nos programas esportivos uma série de filmes ruins: John Waynes sem agilidade, James Stewarts sem inteligência, Chaplins sem magia e Buster Keatons sem graça nenhuma. Cada vez mais nos afastamos do campo e nos aproximamos da vida cotidiana dos jogadores.

As coisas parecem se configurar da seguinte maneira: se o que ocorre dentro do campo de futebol não nos agrada tanto, a saída é ultrapassar as quatro linhas. E o que há além delas, para alguém com o mínimo de bom senso, são tão-somente situações chatas e sem poesia, que nada contribuem para o espetáculo de uma partida.  Sinceramente, a máxima de Oscar Wilde deveria ser aplicada ao futebol: “Revelar a arte, ocultar o artista”.

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