ROPE (1948), DE ALFRED HITCHCOCK.
(Alfredo Werney)
Hitchcock, em muitos de seus filmes, educa o nosso olhar – este muitas das vezes desatento e pouco eficiente para analisar os detalhes do mundo, devido ao turbilhão de cores, formas, informações e sons que recebemos em nosso cotidiano – embora não tenha pretensões didáticas. Sua trama bem articulada e sua mestria ao trabalhar os elementos do discurso fílmico fazem do diretor inglês uma espécie de maestro do cinema. Isso porque muitos de seus filmes parecem, de fato, uma imensa e rigorosa partitura orquestral, repleta de notas, de dinâmicas, de contrapontos, regida por um indivíduo que tem domínio total de cada linha ali escrita.
Rope (1948) é uma experiência cinematográfica que diz muito sobre esse mundo hitchcockeano. Embora saibamos, através das entrevistas realizadas por François Truffaut, que Hitchcock considerava essa obra como “uma experiência idiota”. Trata-se de uma das primeiras tentativas, no mundo do cinema, de se filmar uma narrativa de maneira ininterrupta. Sabemos que há cortes no processo de montagem, mas eles se deram pelo fato de o rolo de película da época não ter espaço suficiente para captar toda obra em uma tomada apenas. Rope (traduzido para o Brasil, de forma bastante infeliz, como “Festim diabólico”) é baseado em uma peça teatral de Patrick Hamilton, escritor inglês. Este fato imprime ao filme uma forte marca de teatralidade. Por este motivo, houve inúmeros ensaios antes da gravação, para que se evitassem, ao máximo, pequenos erros.
Com a narrativa semelhante a um caso ocorrido no ano de 1924 na Universidade de Chicago (que ficou conhecido como “Caso Leopold-Loeb”), Rope é uma obra cinematográfica que narra a estória de dois jovens estudantes que almejavam cometer um crime perfeito. Os jovens estudantes, impressionados com as teorias do professor Rupert Cadell, consideravam-se seres superiores, que estavam além dos valores morais e das regras sociais de sua época. Assim, juntos assassinaram o colega de escola com uma corda (elemento cênico de grande importância da diegése) para provarem sua superioridade. Logo após o assassinato, eles convidaram os amigos, a noiva e os familiares do morto. O corpo do jovem, colocado em baú, serviu como mesa e adorno para um jantar macabro.
Essa obra parece-nos ser a expressão máxima do suspense, se tomarmos como base as ideias do próprio Hitchcock acerca deste gênero fílmico. O diretor londrino disse-nos, em entrevista, que o suspense é a “dilatação do tempo”. Quando temos a certeza de que uma determinada ação vai acontecer, haverá um tempo de espera para que esta ação ocorra. Este tempo expandido é o que gera o suspense. Rope, nesse sentido, é todo realizado a partir dessa ideia. Desde as primeiras ações do filme sabemos que uma pessoa foi assassinada e logo após, com o desenrolar da narrativa, entendemos as motivações. O resto todo da trama se desenrolará no tempo de espera até a descoberta do corpo dentro do baú. A pessoa a realizar a descoberta é um irônico professor chamado Rupert (uma atuação brilhante de James Stewart), cujas ideias de superioridade do homem e da beleza plástica do crime (de inspiração niezschtiana), foram distorcidas e postas em prática pelos jovens assassinos.
Embora se trate de uma estória um tanto quanto pesada e macabra, se levarmos em conta a obra do diretor inglês como um todo, Hitchcock não abre mão de suas ironias recheadas de inteligência e de sua costumeira crítica à sociedade. Num determinado momento do filme, Sra Atwater pega nas mãos de um dos assassinos que toca piano, Phillip Morgan, e diz: “estas mãos ainda lhe dará muita fama”. A ambiguidade da frase aumenta a tensão psíquica de David e cria uma atmosfera, ao mesmo tempo, de humor e de drama.
O desfecho dessa trama macabra não poderia ter sido melhor. Hitchcock não se deixou levar pelos clichês das narrativas fílmicas tradicionais. Sua obra não encerra com pieguice e nem com violência gratuita, ingredientes muito apreciados na filmografia atual. Um simples tiro para o céu revelará todo o acontecimento. O elemento narrativo agora será o som: ouvimos o barulho das pessoas atordoadas com o disparo de Rupert, ouvimos também o som estridente do carro da polícia. Assim se fecha Rope, com o toque final das mãos de um grande artesão do cinema.
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