domingo, 31 de agosto de 2014


NA MESMA TRILHA...

Alfredo Werney


            Revendo uma diversidade de filmes que guardo em minha casa, me veio à memória um comentário do grande maestro e crítico musical Júlio Medaglia. Ele dizia, em uma entrevista presente em seu livro Música impopular, que a esmagadora maioria das trilhas musicais são apenas repetições do que já se vê nas imagens. Por mais desalentador que o enunciado pareça, fica difícil discordar do maestro!

            Os sons que ouvimos na maioria das películas são tão somente para dar mais “realismo” ou emoção a uma determinada sequencia fílmica. Poucas vezes a música acrescenta informações, engendra poesia, diz o que não foi possível dizer por meio das imagens visuais. Disso talvez tenha partido as famigeradas máximas que retiram da música de cinema seu caráter especulativo e inventivo: “A música boa é a que não se percebe” [como se ela tivesse a função meramente de acompanhar de forma servil o discurso das imagens, sem provocar nenhum contraste]; “a trilha sonora serve para criar climas” [como se o papel dela se reduzisse a despertar sensações fáceis no interlocutor].

            Quando o cineasta Alberto Cavalcanti disse que a trilha musical do cinema mudo era uma espécie de “tapa buracos”, creio que ele não estava errado. Eu só acrescentaria ao comentário do diretor pernambucano que essa falta de autonomia estética não se deu apenas no cinema mudo, mas está presente em todo o cinema sonoro – incluindo diversos filmes da atualidade, cujas novas tecnologias de articulação entre som/ imagem são utilizadas, não raro, para camuflar a falta de imaginação criadora da película.

            Raras vezes a música se torna um elemento fundamental na construção de sentido das obras audiovisuais. Por isso, quando nos deparamos com trabalhos como os de Ennio Morricone, Bernard Herrmann, Nino Rota e Zbigniew Preisner, somos levados a desconstruir de nosso imaginário as cansativas associações entre música e cena. São trilhistas que estimulam a nossa imaginação e que ampliam a poesia dos filmes. Basta assistirmos a filmes como A missão, Um corpo que cai, Amacord e A liberdade é azul, para confirmamos tais afirmações.

            Sergei Eisenstein – ainda na época em que o cinema sonoro estava começando a manipular de forma convincente o seu potencial artístico – já defendia a criação de um cinema em que o som fosse um contraponto das imagens e não apenas um mero acessório destas. Movido por certo pessimismo, não temo afirmar que essas ideias do cineasta russo ainda são pouco aplicadas pelos diretores mais atuais, que, na maioria das vezes, concebem a música como simplesmente um elemento apoiador do conteúdo das imagens.

            Não deixa de ser triste o fato de que para cada um Desejo e Reparação (música de Dário Marianelli) que surge – filme composto por uma trilha inventiva, dialógica, avessa ao lugar comum – somos bombardeados com  centenas de Piratas do Caribe, de Lisbela e o prisioneiro, de Homem Aranha, de Planeta dos macacos, etc. Filmes em que o som é inserido para intensificar a impressão de "realismo" e para "facilitar" a narrativa fílmica.

            Com efeito, a falta de criatividade e a falta do que dizer das imagens é disfarçada, muitas vezes, por verdadeiros "dilúvios musicais" – repletos de clichês colhidos na cartilha composicional do romantismo musical tardio – executados pelas grandes orquestras, como é o caso de Piratas do Caribe. Essa falácia musical apenas conforta o interlocutor médio, que está acostumado com um mundo sonoro que evita o contraste, a polifonia e que não questiona os automatismos gerados pela articulação som/ imagem.

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