NA
MESMA TRILHA...
Alfredo
Werney
Revendo
uma diversidade de filmes que guardo em minha casa, me veio à memória um
comentário do grande maestro e crítico musical Júlio Medaglia. Ele dizia, em uma entrevista
presente em seu livro Música impopular,
que a esmagadora maioria das trilhas musicais são apenas repetições do que já se vê nas imagens. Por mais desalentador que o enunciado pareça, fica difícil
discordar do maestro!
Os
sons que ouvimos na maioria das películas são tão somente para dar mais “realismo”
ou emoção a uma determinada sequencia fílmica. Poucas vezes a música acrescenta
informações, engendra poesia, diz o que não foi possível dizer por meio das
imagens visuais. Disso talvez tenha partido as famigeradas máximas que retiram
da música de cinema seu caráter especulativo e inventivo: “A música boa é a que
não se percebe” [como se ela tivesse a função meramente de acompanhar de forma
servil o discurso das imagens, sem provocar nenhum contraste]; “a trilha sonora
serve para criar climas” [como se o papel dela se reduzisse a despertar
sensações fáceis no interlocutor].
Quando
o cineasta Alberto Cavalcanti disse que a trilha musical do cinema mudo era uma espécie
de “tapa buracos”, creio que ele não estava errado. Eu só acrescentaria ao
comentário do diretor pernambucano que essa falta de autonomia estética não se deu apenas no cinema mudo, mas
está presente em todo o cinema sonoro – incluindo diversos filmes da atualidade, cujas novas tecnologias de articulação entre som/
imagem são utilizadas, não raro, para camuflar a falta de imaginação criadora da película.
Raras
vezes a música se torna um elemento fundamental na construção de sentido das
obras audiovisuais. Por isso, quando nos deparamos com trabalhos como os de
Ennio Morricone, Bernard Herrmann, Nino Rota e Zbigniew Preisner, somos
levados a desconstruir de nosso imaginário as cansativas associações entre música e cena. São trilhistas que estimulam a
nossa imaginação e que ampliam a poesia dos filmes. Basta assistirmos a filmes
como A missão, Um corpo que cai, Amacord
e A liberdade é azul, para confirmamos tais afirmações.
Sergei
Eisenstein – ainda na época em que o cinema sonoro estava começando a manipular
de forma convincente o seu potencial artístico – já defendia a criação de um
cinema em que o som fosse um contraponto das imagens e não apenas um mero
acessório destas. Movido por certo pessimismo, não temo afirmar
que essas ideias do cineasta russo ainda são pouco aplicadas pelos diretores
mais atuais, que, na maioria das vezes, concebem a música como simplesmente um
elemento apoiador do conteúdo das imagens.
Não
deixa de ser triste o fato de que para cada um Desejo e Reparação (música de Dário Marianelli) que surge – filme
composto por uma trilha inventiva, dialógica, avessa ao lugar comum – somos
bombardeados com centenas de Piratas do Caribe, de Lisbela e o prisioneiro, de Homem Aranha, de Planeta dos macacos, etc. Filmes em que o som é inserido para intensificar a impressão de "realismo" e para "facilitar" a narrativa fílmica.
Com
efeito, a falta de criatividade e a falta do que dizer das imagens é
disfarçada, muitas vezes, por verdadeiros "dilúvios musicais" – repletos de clichês colhidos
na cartilha composicional do romantismo musical tardio – executados pelas
grandes orquestras, como é o caso de Piratas
do Caribe. Essa falácia musical apenas conforta o interlocutor médio, que
está acostumado com um mundo sonoro que evita o contraste, a polifonia e que não
questiona os automatismos gerados pela articulação som/ imagem.
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