domingo, 17 de janeiro de 2010

Cinema - Animação



UP ALTAS AVENTURAS (EUA, 2009)

Wanderson Lima

Cada vez fica mais fica perceptível a diferença entre a Pixar Animation e os demais estúdios do ramo, a exemplo da DreamWorks. O essencial desta diferença passa pela ordem técnica, mas não é exclusivo desta ordem. A Pixar sabe contar histórias – e criar liames entre o passado e o agora, entre memória e invenção que nunca são de natureza simplória, nunca são (como se vê nos concorrentes) o requentamento do clássico nem o pastiche pós-moderno que se exauriu e virou chatice já no decorrer da série Shrek.
Up (2009) começa como uma crônica de um casal pequeno-burguês que encontrou a joie de vivre numa existência recolhida e sem barulhos. Uma aurea mediocritas. Em poucos minutos, passeamos por diversas fases da vida do casal, suas alegrias bucólicas e suas tristezas, sempre representadas em pincelas impressionistas, tornando leve, mas não falso, os percalços da vida. Quem se impressionou com o início de Wall-E não sairá menos encantado deste: o controle do ritmo, os cortes, o tempo, a contenção do diálogo, tudo uma magistral aula de cinema. O início de Up faz imaginar um comercial de plano de saúde que não escamoteasse o que a vida traz de dor e sofrimento. Uma vida toda passa à nossa frente – e sentimos (eu senti, e sofri muito com isto) a vacuidade da existência, mas não de uma forma trágica. Lembrei-me da frase do cronista: “Viver é colecionar ruínas”. Eu acrescentaria, remetendo a Up: ... ruínas que nós amamos com uma leveza que não escamoteia seu fundo trágico. Ruína majestosa que no filme é um tal álbum que fez e fará muita gente ir aos prantos.
Pete Docter poderia manter esse ritmo e criar uma bela elegia sobre a memória e a velhice. Mas quando a gente acha que Docter e a Pixar vão cair na armadilha, nós é que caímos. Na segunda parte no filme, saímos da crônica do cotidiano e adentramos no reino da poesia. De repente, somos testemunhas de uma casa-navio que voa movida por milhões de balões cheios de gás hélio. Dentro dela, as duas pontas da vida humana: a velhice (Carl Fredricksen,78 anos) e a infância (Russel, 8 anos). Fredricksen busca a terra dos sonhos de sua falecida esposa, uma floresta tropical com deslumbrantes cachoeiras; Russel, a última medalha que lhe falta na coleção de escoteiro (para ganhá-la, ele precisa ajudar um idoso). No fundo, buscam uma escora, um substituto para o que é insubstituível: a companheira de toda uma vida, para o velho e a mãe, para a criança (cujo pai, para completar, é muito desatento). Chegando à floresta, o filme acelera a montagem e a tecnologia (é o primeiro filme 3D da Pixar) começa a falar mais alto – sem abafar a beleza e a complexidade da história, a que se agregam novos e inusitados personagens, entre eles um pássaro selvagem e gigantesco, cães que falam e um ex-herói que vira vilão.

Up faz os recursos tecnológicos se casarem com a história sem subtraí-la e, em sua trajetória, vai corroendo a verossimilhança em prol da poesia e da aventura. O mais incrível é como esta mudança é tão bem equacionada que os personagens, em vez de irem se tornando mais inverossímeis, tornam-se mais e mais humanos.

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