segunda-feira, 21 de março de 2011

Gustavo Santaolalla

Gustavo Santaolalla e Alfredo Werney (Rio de Janeiro, 2007)


A TRILHA TORTUOSA DE GUSTAVO SANTAOLALLA*

(Por Alfredo Werney)

Trilhando por caminhos diferentes dos compositores das tradicionais trilhas orquestrais de Hollywood, Santaolalla tem nos brindado com um instigante trabalho de composição para cinema. Sua música parte de uma concepção mais econômica dos recursos estilísticos e tende, dessa forma, ao minimalismo. Às vezes atinge uma atmosfera de pura abstração, uma vez que o músico latino utiliza melodias não-eufônicas e texturas sonoras de arpejos sem uma resolução harmônica. Nada de dramatismos e “dilúvios musicais” de orquestra. Um simples arpejo de oud, um acorde de violão, um leve “rasgueado” do charango, já são suficientes para que se crie toda uma paisagem sonora.

Quando assisti ao filme Babel (2006), logo nas primeiras tomadas, percebi que estava diante de uma obra diferente do ponto de vista musical. Esperava, sinceramente, ouvir – em meio a tantas dores e sofrimentos daquele grupo de infortunados do mundo babélico – os famosos violinos ou as flautas de caráter mais operístico. Não foi nada do que ouvi nessa obra de Alejandro Iñarritu. O som era de um “grave” e profundo oud, um instrumento de cordas oriental parecido com o alaúde. Poucas notas, muito silêncio. A música de Santaolalla parecia, de fato, com aquele deserto árido de Marrocos. Também fiquei muito impressionado ao ver O Segredo de Brokeback Mountain (2005), película dirigida por Ang Lee. Os sons que compunham a trilha eram os acordes soltos de violão, uma simples gaita e, algumas poucas vezes, cordas friccionadas. Uma paisagem sonora que lembrava os westerns americanos, mais de uma maneira bem particular. A música mais parecia um terceiro personagem daquela relação homossexual entre os dois cowboys criadores de animais.

O fato é que, ao conhecer o trabalho de Gustavo Santaolalla, passei a perceber que havia ali uma concepção de música de cinema, se não inovadora, pouco usual. As trilhas do argentino não são fáceis de assimilar e nem são, de maneira alguma, cantábiles. Ninguém sai do cinema cantarolando Santaolalla. Ele não busca reforçar conteúdos que já estão claros no discurso das imagens. Em nenhum momento suas composições procuram fazer o público chorar e se comover facilmente com a situação das personagens. Suas trilhas são apolíneas e exclui tudo que não é essencial para a sua expressão poética: não há ornamentos gratuitos, nem ritmos vigorosos, nem belas melodias com grandes saltos intervalares, nem a utilização de muitos timbres. Tratam-se de intervenções musicais que funcionam, efetivamente, como um contraponto: uma voz que acompanha outras vozes em diferentes ritmos.

Gustavo Alfredo me mostrou, enfim, que ainda é possível ver um filme sem aquela sensação enfadonha de que a música só está dizendo o que já estamos vendo nas imagens. Um constante pleonasmo – como costumamos observar na maioria das trilhas musicais dos filmes produzidos para o grande público. A composição santaolallina, em vez de repetir, ela acrescenta informações à camada visual do filme. Em vez de enfatizar o conteúdo e o movimento da imagem, ela cria, com essa associação, uma nova sinestesia. O caminho musical que o artista nos conduz é deveras tortuoso e pouco visitado.




*Este texto está disposto integralmente na Revista RUA (Revista universitária do audiovisual) http://www.ufscar.br/rua/site/

2 comentários: