segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

MÚSICA DO CINEMA



O SEGREDO DE GUSTAVO SANTAOLALLA*

Alfredo Werney


         Uma paisagem idílica, um clima de bucolismo e dois cowboys (alegoria da força e da masculinidade norte-americanas) envolvidos em uma relação homoerótica. Estamos nos referindo, em uma visão panorâmica, à película O Segredo de Brokeback Mountain, uma espécie de “quadro neoclássico” pintado pelas mãos do diretor taiwanês Ang Lee.  A obra deu ao trilhista Gustavo Santaolalla o seu primeiro “Oscar de Melhor Música”. A película venceu o “Leão de Ouro” no Festival de Veneza, além de outras premiações como o BAFTA, o Globo de Ouro e Independent Spirit Awards.

         Buscando se afastar de uma “estética da monumentalidade”, que se pauta pela idéia de totalidade (herança da Bildung germânica), pelo excesso e pela gravidade, o diretor elabora um discurso fílmico mais coeso e econômico de recursos estéticos. A fotografia não se utiliza de luz intensa nem de contrastes de cores barroquizantes.  Não há excessos psíquicos, tampouco uma teatralidade exagerada por parte dos personagens. Os planos são claros e precisos. Enfim, um mundo que muitos diriam “árcade”, “apolíneo”.

        A música de Santaolalla se harmoniza perfeitamente com esse mundo equilibrado de Broukeback Mountain.  O cenário não é mais um mundo babélico (como nos filmes Amores    Perros,  21 grams e Babel), portanto a música não quer, a nenhum momento, desintegrar esse mundo equilibrado. Não há contrastes fortes, desse modo.  A instrumentação escolhida denota suavidade: violões de aços, steel guitar, cordas friccionadas, gaita e voz. Os temas são curtos e a harmonia musical é de grande simplicidade (cadências perfeitas, acordes consonantes). O compositor se distancia, efetivamente, do espírito da “estética da monumentalidade”. Segundo Santuza Naves, essa estética se manifesta na música através das obras sinfônicas, da abundância e variedade de instrumentos de que dispõe a orquestra sinfônica, dos extremos dinâmicos (fortíssimo seguido de pianíssimo), da abundância de temas diferentes e da complexidade do desenvolvimento.  Uma “pintura sonora” bem diferente das que são construídas pelo guitarrista argentino.

        A bela montanha de Brokeback e o amor entre Jack Twist (Jake Gyllenhaal) e Ennis del Mar (Heath Ledger) não seriam o mesmo sem os acordes  dulces de Santaolalla, sem a solitária e nostálgica gaita da trilha musical – que nos remete ao clima dos westerns americanos.  O processo de composição do argentino, como se sabe através de suas entrevistas e palestras, foi um tanto quanto diferente do habitual. Ele compôs as faixas antes de ver as imagens do filme. Guiando-se através do roteiro e das conversas com o diretor taiwanês, Gustavo foi construindo, tijolo a tijolo, sua arquitetura musical.

       Há algo de “velado” e “contido” em sua composição. Esse phatos musical nos diz, de maneira delicada e em poucas tomadas, que entre os dois cowboys que cuidam de ovelhas brotará uma relação homossexual. A música, nesse sentido, passa a desempenhar uma função muito importante: ela revela o que não está contido claramente nas imagens. Não há dúvida de que Ang Lee, consciente do seu ofício, não deseja mostrar de maneira exagerada e sem volteios a homossexualidade dos dois jovens (pelo menos na maioria das tomadas). Não por preconceito, é evidente, mas para não quebrar a capacidade de sugestão de suas imagens nem a serenidade presente no universo conceitual de sua obra. A música de Gustavo, de fato, é quem nos revela os segredos de Brokeback e de seus cowboys apaixonados. Não seria exagero dizermos que ela funciona quase como um terceiro personagem da relação amorosa. Um personagem construído, inteligentemente, pela doçura e harmonia de acordes de violão e cordas friccionadas.



*Este texto foi retirado do ensaio “Na trilha de Gustavo Santaolalla” (com algumas adaptações). O ensaio completo está presente na Revista Desenredos http://desenredos.dominiotemporario.com/doc/9_Ensaio_-_Alfredo_Werney.pdf






Nenhum comentário:

Postar um comentário