sábado, 18 de janeiro de 2014

Notas de passagem




NOTAS SOBRE A MPB

(Alfredo Weney)

·         Arnaldo Antunes é um compositor cuja música pode ser ouvida com os olhos e vista com os ouvidos. Devemos apreciar sua música com a boca, com os olhos, com os ouvidos e com as mãos.

·         Não há como negar que Jorge Ben é um compositor importante, principalmente pela sua performance musical. A composição que mais gosto dele é aquela feita por Chico Buarque “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta...”.

·         João Gilberto descobre uma música diferente dentro de cada música que interpreta. Pode-se dizer que, sem exageros, que sua interpretação é tão pensada que chega a mudar o sentido de uma letra.

·         Maria Bethânia interpreta ela própria. Ela canta não para expressar o texto musical, mas para querer se autoelogiar. Ela ganhou o status errôneo de maior intérprete da MPB, por parte de alguns músicos  e ouvintes brasileiros, porque nossa cultura musical foi edificada a partir de um equívoco: cantar bem é cantar notas agudas, com exageros e vibratos desnecessários.

·         O legado de Noel ainda está vivo. Basta ouvir Chico Buarque, Zeca Pagodinho e veremos que a bossa de Noel está em forma.

·         Noel é estupendo compositor. Isto é quase unanimidade. Suas letras trazem o cotidiano para a nossa música, além de uma nova perspectiva melódica e harmônica. Para mim, a maior obra de Noel ainda é Chico Buarque.

·         Guinga é uma das poucas novidades da atual MPB. Ele dialoga com Tom Jobim, sem imitá-lo – como o fazem muitos discípulos do maestro carioca. Além disso, ele nos mostra uma nova perspectiva do violão de acompanhamento: o violão passa a não ser apenas um condutor da harmonia, mas também um solista que contraponteia com o cantor.

·         Lenine nos mostrou novas trilhas musicais. Comprovou que a canção não morreu (como querem afirmar alguns compositores). Chão, sem dúvidas, é um dos maiores álbuns da nossa MPB. Há ali Jackson do pandeiro, Luiz Gonzaga, Hermeto Paschoal e toda uma tradição da MPB – com uma perspectiva musical atualizada e reestruturada.

·         Se o poeta é a antena da raça, como dizia Ezra Pound, Gilberto Gil é antena da nossa MPB. Ele sempre percebe os fenômenos sonoros, sociais e artísticos com antecedência. “Quanta” é um dos discos mais lúcidos e inventivos da MPB...

·         A obra de Chico Buarque é mais estudada do que ouvida. Ele já virou vítima dos estudos sociológicos, linguísticos e antropológicos. Basta você colocar Chico pra ouvir numa turma de amigos. Antes da primeira pancada do pandeiro, já irão desenterrar os Karl Marx, os Foucaults, os Greimas, os Jakobsons...

·         Não há como negar: o manguebeat nasce plenamente em Gilberto Gil. E isso não diminui em nada a importância do movimento. Pelo contrário, torna o movimento mais respeitado musicalmente.

·         Já ouvi muitos dizerem que o Belchior é um dos maiores nomes da MPB. E descobri que é verdade mesmo. Seu nome completo é Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes.

·         Elis Regina é uma grande cantora, não há como negar. Mas também não há como negar que muitas vezes ela massacra o texto musical pra cantar ela mesma, de forma extremamente afetada. Suas interpretações, em vez de expressivas, muitas vezes são, para usar as palavras de Augusto de Campos, escancaradamente “expressionistas”.

·         Roberto Carlos é o nosso compositor mais popular, como sabemos. Mas também é um dos mais criticados no meio musical. Eu sempre fui motivo de riso por defendê-lo. Suas músicas, embora sem muito rebuscamento, soam fluentemente e se impregnam facilmente em nossa memória, como um “nó inextricável”. Suas interpretações respeitam o texto musical, são afinadas e elegantes, além de se coadunarem muito bem com o todo do arranjo musical. Vou continuar sendo criticado, mas vou continuar elogiando Roberto Carlos...

·         Djavan é um fabricante de biscoitos finos. Em suas canções observamos uma poderosa harmonia de elementos musicais e poéticos: letra, arranjo, melodia, interpretação, timbres formam um tecido indissociável. Ao ouvirmos suas composições somos convidados a saborear cada acorde, cada palavra, cada movimento dos lábios de quem interpreta. Djavan é a canção coada, sem borra, pura e cristalina.

·         Vinícius de Moraes é a comunhão total entre literatura e música. Os músicos devemos agradecer todo dia pela existência, ainda que breve (ele morreu aos 67 anos), desse poeta. Ele deu um toque de espontaneidade e de naturalidade à cultura artística brasileira. Vinícius é uma avenida na qual os compositores populares se encontraram com os escritores acadêmicos. E esse casamento, diferente dos que Vinícius teve, tornou-se inseparável.


·         Tom Jobim “desdramatizou” a canção brasileira. As orquestrações e os arranjos repleto de notas, de excessos tímbricos (típicos do samba-canção e dos boleros), deram lugar a um discurso apolíneo, equilibrado, com poucas notas e timbres. Tom Jobim ensinou aos compositores e arranjadores brasileiros que “quem fala muito não tem nada a dizer”. Em Tom Jobim, a beleza está nos detalhes, nas coisas minúsculas...


·         Raul Seixas trilhou por um caminho da música brasileira pouco explorado. Suas canções brotam do diálogo do rock com toda a riqueza musical da cultura brasileira (Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Sérgio Sampaio, iê-iê-iê, etc). Elas também se associam a certo misticismo religioso e a um decadentismo romântico que não vemos muito na obra de outros compositores brasileiros (parece ser uma dicção própria do maluco beleza). Raul Seixas derramou na canção brasileira o espírito dionisíaco, psicodélico e transcendental. Ele é o Rimbaud da nossa MPB.



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